Depois de comer tratei de dar um passeio, mas estava tão fraco que mal podia segurar a escopeta, sem a qual nunca saía. Assim andei um curto trecho; fui sentar-me na areia e estive a contemplar o mar naquele momento sossegado e tranquilo. Ao mesmo tempo ocorreram-me algumas reflexões. Julguei que se Deus tinha permitido tudo quanto me acontecera e se chegara aquela deplorável situação, fora por desígnio Seu, pois não só era senhor da minha sorte, mas também de tudo o que existia. A estas seguiram-se outras reflexões: Por que agiu Deus assim para comigo? Que fiz eu para merecer este castigo?
A consciência deteve-me de repente neste exame, como se tivesse blasfemado; pareceu-me ouvir uma voz que, do meu íntimo, gritava:
- Desgraçado! Ainda perguntas o que fizeste? Examina a tua vida passada, tão mal empregue, e pergunta a ti próprio, pelo contrário, o que deixaste de fazer. Pergunta por que não foste ainda aniquilado, por que não te afogaste na enseada de Yarmouth, por que não pereceste quando foste abordado pelo corsário de Salem, por que não foste devorado pelas feras na costa de África, enfim; por que foste o único a salvar-se do naufrágio sucedido nesta mesma costa. E ainda perguntas o que fizeste?
Estas reflexões impuseram-me silêncio; não encontrei uma só palavra para objectar. Levantei-me triste e pensativo, e dirigi-me para o meu retiro; subi a escada com a intenção de logo me deitar, mas com o ânimo dolorosamente afectado não sentia qualquer desejo de dormir; assim, sentei-me na cadeira e acendi a luz porque começava a escurecer.