1984 - Cap. 9: Capítulo IX Pág. 111 / 309

Teve a impressão de que uma fogueira lhe ardia na barriga. Foi um tormento o almoço na cantina quente, cheia, ruidosa. Tivera a esperança de ficar a sós uns minutos, na hora do almoço, mas por azar o imbecil do Parsons viera sentar-se ao lado dele, o fedor de suor quase sobrepujando o cheiro ativo do guisado, e metralhou-o com uma série de comentários sobre a Semana do ódio. Estava interessadíssimo num modelo, em papier mâché, da cabeça do Grande Irmão, de dois metros de largura, que a tropa de Espiões da filha estava confecionando para a festa. O mais irritante era que, em meio à barulhada de vozes, Winston mal ouvia o que dizia Parsons, e se via obrigado a pedir-lhe, constantemente, que repetisse palavras fátuas. Apenas uma vez entreviu a pequena, do outro lado da sala, sentada com outras duas. Ela pareceu não tê-lo visto, e ele não olhou mais naquela direção.

A tarde foi mais suportável. Logo depois do almoço chegou-lhe às mãos um serviço delicado, difícil, que tomou várias horas de pesquisa e exigiu o abandono de tudo o mais.

Consistia da falsificação de uma série de relatórios de produção, de dois anos antes, de maneira a desacreditar um eminente membro do Partido Interno que estava agora meio comprometido. Era a função que Winston desempenhava com mais talento, e durante mais de duas horas conseguiu não pensar na moça. Depois, a lembrança do seu rosto voltou e com ela um desejo furioso, intolerável, de estar só. Seria impossível pensar na situação enquanto não conseguisse ficar só. À noite, porém, tinha de ir ao Centro Comunal. Engoliu outra refeição sem gosto na cantina, correu ao Centro, tomou parte na farsa solene de um "grupo de discussão", jogou duas partidas de pingue-pongue, tragou vários copos de gin e assistiu uma conferência de meia-hora, sob o título "Ingsoc em relação ao xadrez.





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