- Não pode ser - murmurou, assim que julgou seguro falar. -Quero dizer, amanhã não posso.
- Que?
- Amanhã de tarde, não posso ir.
- Porque?
- Pelo motivo comum. Desta vez começou cedo.
Por um momento, ele se sentiu furioso. Naquele mês, volvido desde que a conhecera intimamente, modificara-se a natureza do seu desejo. No começo, pouca sensualidade houvera nele. O primeiro contacto amoroso fora simplesmente um ato de volição. Mas depois da segunda vez as coisas haviam mudado de figura. O aroma dos cabelos, o gosto da boca, a maciez da pele pareciam havê-lo penetrado, ou envolvê-lo. Ela se tornara uma necessidade física, algo que não apenas queria como sentia ter direito a gozar. Quando Júlia anunciou que não poderia ir, teve a impressão de estar sendo lesado. Mas naquele momento a multidão os apertou e, acidentalmente, as mãos se encontraram. Ela apertou-lhe ligeiramente as pontas dos dedos, num gesto que parecia pedir não desejo mas afeto. Winston raciocinou que, quando se vive com uma mulher, esse tipo de desapontamento deve ser uma coisa normal, que acontece mais de uma vez; de repente, dominou-o uma profunda ternura, como nunca sentira antes. Desejou que fossem um casal com dez anos de existência em comum. Desejou passear com ela pelas ruas, como estavam fazendo naquele instante, mas abertamente, sem medo, falando de frivolidades e comprando pequenas bobagens para o lar.