1984 - Cap. 12: Capítulo XII Pág. 144 / 309

Desejou, acima de tudo, que tivessem um lugar onde ficar a sós, sem sentir a obrigação de fazer o amor, cada vez que se encontravam. Não foi exatamente naquele instante, mas no dia seguinte, que lhe ocorreu alugar o quarto do antiquário. Quando sugeriu o plano a Júlia, ela concordou com inesperada presteza. Ambos sabiam ser loucura. Era como se dessem, de propósito, um passo para o túmulo. Sentado na beira da cama, Winston tornou a pensar nos porões do Ministério do Amor. Era curioso que aquele horror predestinado se acendesse e apagasse na sua consciência. Lá estava ele, fixado no tempo futuro, precedendo a morte com a mesma certeza que 99 precede 100. Não era possível evitá-lo, mas talvez fosse adiá-lo; e no entanto, ao invés disso, de vez em quando, ele encurtava a vida, por um ato consciente, voluntário.

Naquele momento, ouviu-se um passo rápido nas escadas. Júlia irrompeu no quarto. Trazia um saco de ferramentas de lona marron crua, com que às vezes a vira entrando e saindo do Ministério. Tentou colhê-la nos braços, mas Júlia desvencilhou-se um tanto apressada, em parte por estar ainda com a bolsa na mão.

- Meio segundo - disse. - Olha só o que eu trouxe.

- Trouxeste esse horrendo Café Vitória? Logo vi. Podes levá-lo de volta, não precisamos dele. Olha.

Ajoelhou-se, abriu a bolsa, e tirou algumas chaves- inglesas e de fenda que enchiam a parte superior. Por baixo havia vários pacotes de papel. O primeiro embrulho que entregou a Winston lhe pareceu, ao tato, ter uma consistência estranha e no entanto vagamente familiar. Estava cheio de uma substância pesada, pulverulenta, que cedia onde se apertasse o papel.

- É açúcar?

- Açúcar de verdade. Nada de sacarina.





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