1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 185 / 309

Capítulo XVII

Winston estava gelatinoso de cansaço. Gelatinoso era a palavra certa. Ocorreu-lhe espontaneamente. O corpo parecia ter não apenas a debilidade da gelatina, como a sua translucidez. Tinha a impressão de que, se erguesse a mão, conseguiria ver a luz do outro lado. Todo o sangue e a linfa se haviam esgotado, num imenso deboche de trabalho, deixando apenas uma frágil estrutura de nervos, ossos e pele. Todas as sensações pareciam ampliadas. O macacão roçava-lhe os ombros, a calçada comichava-lhe sob os pés, e até abrir e fechar a mão era um esforço que fazia as juntas estralarem.

Em cinco dias, trabalhara mais de noventa horas. E o mesmo acontecera com todo mundo no Ministério. Agora, estava tudo acabado e, literalmente, não havia mais o que fazer, nenhuma tarefa do Partido até o dia seguinte, pela manhã. Podia passar seis horas no esconderijo e nove na própria cama. Lentamente, à luz do sol moderado daquela tarde, tomou por uma rua suja, na direção da loja do Sr. Charrington, sempre de olho no aparecimento de alguma patrulha, porém irracionalmente convencido de que aquele dia não havia perigo de que o detivessem. A pesada pasta que levava chocava-se contra seus joelhos a cada passo, provocando uma sensação de formigamento na perna. Dentro dela estava o livro, que já estava em seu poder havia seis dias, e que ainda não conseguira abrir, nem mesmo olhar.

No sexto dia da Semana do ódio, depois das passeatas, discursos, gritaria, cantoria, bandeiras, cartazes, filmes, esculturas em cera, rufar de tambores e guinchar de clarins, reboar de pés em marcha, ronco das esteiras dos tanques, zumbido dos aviões no ar, troar dos canhões - depois de seis dias





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