1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 218 / 309

Não tem por objetivo transmitir o poder aos próprios filhos; e se não houvesse outro meio de conservar os mais capazes nos postos de comando, estaria perfeitamente disposto a recrutar toda uma geração nova das fileiras do proletariado. Nos anos cruciais, muito contribuiu para neutralizar a oposição o fato de o Partido não ser um organismo hereditário. O antigo tipo de socialista, treinado a lutar contra o que às vezes se chamava "privilégio de classe," supunha que o que não fosse hereditário não podia ser permanente. Não percebia que a continuidade de uma oligarquia não precisava ser física, nem fazia pausa para refletir que as aristocracias hereditárias sempre tiveram vida curta, enquanto que organizações auto-renovantes, como a Igreja Católica, às vezes duram centenas e mesmo milhares de anos. A essência do jugo oligárquico não é a herança de pai a filho, mas a persistência de certo ponto de vista em face do mundo e de certa maneira de viver, imposta aos vivos pelos mortos. Um grupo dominante só continua mandando enquanto consegue nomear seus sucessores. O Partido não se interessa pela perpetuação do seu sangue, mas pela perpetuação da entidade. O que importa não é quem maneja o poder, contanto que permaneça sempre a mesma a estrutura hierárquica.

Todas as crenças, hábitos, gostos, emoções e atitudes mentais que caracterizam a nossa época são realmente destinados a sustentar a mística do Partido e impedir que se perceba a verdadeira natureza da sociedade atual. A rebelião física não é possível no momento, nem qualquer preliminar de rebelião. Dos proletários nada há a temer. Entregues a si mesmos, continuarão, de geração em geração e de século a século, trabalhando, procriando e morrendo, não apenas sem qualquer impulso de rebeldia, como sem capacidade de descobrir que o mundo poderia ser diferente do que é.





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