1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 225 / 309

Aqueles cuja atitude em face da guerra é mais próxima da sensatez são povos submissos dos territórios disputados. Para eles a guerra não passa de uma calamidade contínua que se diverte a jogá-los de um lado para outro como um maremoto. É-lhes completamente indiferente saber quem está ganhando. Percebem que a mudança de donos significa apenas que farão o mesmo trabalho que antes para os novos amos, que os tratarão como os tratavam os antigos. Os operários ligeiramente mais favorecidos a que chamamos "proles" têm consciência intermitente da guerra. Quando é necessário, são instigados e levados a frenesins de ódio e medo, mas, entregues a si próprios, são capazes de esquecer, por longos períodos, que a guerra está acontecendo. É nas fileiras do Partido, e acima de tudo do Partido Interno, que se encontra o verdadeiro entusiasmo de guerra. Acreditam na conquista do mundo, com maior firmeza, aqueles que a sabem impossível. Essa particularíssima amálgama de opostos -sabedoria e ignorância, cinismo e fanatismo - é um dos sinais que distinguem a sociedade oceânica. A ideologia oficial abunda em contradições mesmo onde não há para elas qualquer razão prática. Assim, o Partido rejeita e vilifica qualquer princípio originalmente defendido pelo movimento socialista, e no entanto o faz em nome do socialismo. Prega um desdém pela classe operária de que não há exemplo há muitos séculos, e todavia veste os militantes num uniforme que foi característico dos trabalhadores manuais e adotado por essa razão. Mina sistematicamente a solidariedade da família, ao passado que dá ao seu chefe um nome que é um apelo direto ao sentimento de lealdade familiar. Até os nomes dos quatro Ministérios por que somos governados ostentam uma espécie de impudência na sua deliberada subversão dos fatos.




Os capítulos deste livro