1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 258 / 309

Na memória dos homens.

- Na memória. Muito bem. Nós, o Partido, controlamos todos os registros, e controlamos todas as memórias. Nesse caso controlamos passado, não é verdade?

- Mas como podes impedir que a gente se lembre das coisas? - exclamou Winston, de novo se esquecendo do mostrador. - É involuntário. Está fora do indivíduo. Como podes controlar a memória? Não controlaste a minha!

Os modos de O'Brien tornaram-se ríspidos de novo. Pousou a mão no mostrador.

- Ao contrário - disse ele. - Foste tu que não a controlaste. Por isso estás aqui. Estás aqui porque fracassaste em humildade, em disciplina. Não queres fazer o ato de submissão que é o preço da sanidade. Preferiste ser lunático, minoria de um. Só a mente disciplinada pode enxergar a realidade, Winston. Crês que a realidade é algo objetivo, externo, que existe de per si. Acreditas também que é evidente a natureza da realidade. Quando te iludes, e pensas ver algo, julgas que todo mundo vê a mesma coisa. Mas eu digo-te, Winston, a realidade não é externa. A realidade só existe no espírito, e em nenhuma outra parte. Não na mente do indivíduo, que pode se enganar, e que logo perece. Só na mente do Partido, que é coletivo e imortal. O que quer que o Partido afirme que é verdade é verdade. É impossível ver a realidade exceto pelos olhos do Partido. É esse o fato que deves reaprender, Winston. Exige um ato de autodestruição, um esforço da vontade. Deves-te humilhar antes de recobrar o juízo.

Fez uma pausa de alguns momentos, como se para permitir que suas palavras calassem fundo.

- Lembras-te de escrever no teu diário: "liberdade é a liberdade de escrever que dois e dois são quatro?"

- Lembro.

O'Brien mostrou a mão esquerda, de dorso para Winston, com o polegar oculto e mostrando quatro dedos.





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