1984 - Cap. 4: Capítulo IV Pág. 40 / 309

Recentemente, em fevereiro, o Ministério da Fartura dera a público uma promessa ("penhor categórico" eram as palavras oficiais) de que não haveria corte da ração de chocolate em 1984. Na verdade, como o sabia Winston, a ração de chocolate deveria ser reduzida de trinta a vinte gramas no fim da semana. Bastava portanto substituir a promessa original por uma advertência de que provavelmente seria necessário reduzir a ração por volta de abril.

Assim que Winston providenciou as correções ordenadas, prendeu com um grampo as correções falascritas aos exemplares correspondentes do Times e meteu-os no tubo pneumático. Daí, com um movimento tão inconsciente quanto possível, amassou o recado original e as notas que havia feito, e atirou-as no buraco da memória, para pasto das chamas.

O que sucedia no labirinto invisível a que levavam os tubos pneumáticos, ele não sabia em detalhe, mas apenas em termos gerais. Assim que fossem reunidas e classificadas todas as correções consideradas necessárias a um dado número do Times, aquela edição era reimpressa, destruído o número original, e o exemplar correto colocado no arquivo, em seu lugar. Esse processo de alteração contínua aplicava-se não apenas a jornais, como também a livros, publicações periódicas, panfletos, cartazes, folhetos, filmes, bandas de som, caricaturas, fotografias - a toda espécie de literatura ou documentação que pudesse ter o menor significado político ou ideológico. Dia a dia e quase minuto a minuto o passado era atualizado. Desta forma, era possível demonstrar, com prova documental, a correção de todas as profecias do Partido; jamais continuava no arquivo uma notícia, artigo ou opinião que entrasse em conflito com as necessidades do momento.





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