1984 - Cap. 8: Capítulo VIII Pág. 96 / 309

- Sei o que o sr. espera que eu diga. Espera que diga que preferia ser moço'tra veis. A maioria das pessoa diz que queria ser moça, se o sr. perguntá. A gente tem saúde e força quando é mais novo. Quando se chega a esta idade não se tem mais saúde. Meus pé dói muito e minha bixiga então nem se fala. Seis a sete veis por noite tenho de levantá, Mais tem sua vantage, sê velho. Não tenho tanta dor de cabeça. Nada de muié, e é formidave. Há uns trinta ano que não ando com muié, se o sr. credita. Nem quis, posso jurá.

Winston encostou-se ao peitoril da janela. Não adiantava continuar. Ia comprar mais cerveja quando o velho de repente se levantou e se encaminhou rápido para o mictório fedorento, ao lado da sala. O segundo meio-litro estava funcionando. Winston ficou um minuto ou dois olhando a caneca vazia, e mal notou quando os pés o levaram de novo para a rua. Dali a vinte anos, no máximo, refletiu ele, a pergunta simples e momentosa "Antes da Revolução a vida era melhor que agora?" deixaria de ser respondível para todo o sempre. De fato, porém, já era irrespondível, pois alguns dispersos sobreviventes do mundo antigo eram incapazes de comparar uma época com outra. Lembravam-se de um milhão de coisas inúteis, duma briga com um colega, a busca de uma bomba de bicicleta, a expressão no rosto de uma irmã falecida, o rodopio da poeira numa manhã de vento, setenta anos atrás: mas todos os fatos relevantes já estavam fora do alcance da sua visão. Eram como a formiga, que pode ver pequenos objetos, mas não enxerga os grandes. E quando a memória falhava, e os registos escritos eram falsificados - era forçoso aceitar a assertiva do Partido de que tinham melhorado as condições da vida humana, porque não existia, nem jamais poderia existir, qualquer padrão de comparação.





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