Naquele momento o fio dos seus pensamentos se deteve de repente. Ele parou e levantou o olhar. Estava numa rua estreita, com algumas lojinhas escuras perdidas entre residências. Bem por cima de sua cabeça pendiam três fanadas esferas de metal, que tinham jeito de haver sido douradas. Pareceu-lhe conhecer o lugar. Pois, claro! Estava diante da quinquilharia onde comprara o diário!
Um arrepio de medo o agitou. Já fora bastante ousado comprar o livro, e jurara nunca mais se aproximar da casa. Entretanto, no momento em que deixava o pensamento vaguear, os pés o levavam para lá, por iniciativa própria. Era exatamente contra impulsos suicidas dessa natureza que esperara se defender, iniciando o diário. Observou ao mesmo tempo que embora fossem quase vinte e uma horas, a loja continuava aberta. Com a sensação de que daria menos na vista entrando do que ficando na calçada, entrou. Se perguntassem, responderia, plausivelmente, que procurava lâminas de barba.
O proprietário acabava de pendurar do teto um mal cheiroso candeeiro de azeite. Era um homem de seus sessenta anos, frágil e arcado, de nariz comprido, benévolo, olhos calmos deformados pelos óculos grossos, Tinha cabelo quase branco, mas as sobrancelhas eram bastas e pretas. Os óculos, e seus movimentos exageradamente gentis, e o fato de usar paletó de veludo negro, davam-lhe um ar indefinível de intelectualidade, como se fosse literato, ou músico talvez. A voz era suave, parecia desbotada e sua prosódia era menos dissonante do que a da maioria dos proles.
-Reconheci o senhor na rua, - disse, imediatamente. - Foi o senhor que me comprou aquele álbum de recordações. Papel lindo, um mimo para uma moça. Linho creme, chamava-se.