Quanto ao resto, nos dois anos inteiros não produzira nada, à exceção de um punhado de poemas curtos - talvez uma dezena, ao todo.
Era muito raro conseguir atingir a paz de espírito em que a poesia, ou mesmo a prosa, se podia escrever. As ocasiões em que «não podia» trabalhar tornavam-se cada vez mais comuns. De entre todos os tipos de seres humanos, apenas o artista se aventura a dizer que-não pode» trabalhar. Mas é verdade; há de facto momentos em que lhe é impossível. Dinheiro mais uma vez, sempre o dinheiro! A sua falta implica desconforto, preocupações sórdidas, escassez de tabaco, a consciência permanente do malogro - implica, sobretudo, solidão. Como pode uma pessoa sentir-se coisa alguma senão solitária, com duas libras semanais? E jamais se escreveu um livro decente na solidão. Não subsistia a mínima dúvida de que Prazeres Londrinos nunca seriam o poema que concebera - não subsistia mesmo a mínima dúvida de' que nunca os terminaria. E nos momentos em que enfrentava os factos, próprio Gordon estava bem ciente disso.
Não obstante e em particular por essa mesma razão, não desistia. Em algo a que se podia apegar. Uma maneira de refutar a sua pobreza e solidão. E, no fundo, havia ocasiões em que o estado de espírito da criação reaparecia, ou parecia reaparecer. Reaparecera naquela noite, por um breve lapso de tempo - o suficiente para fumar dois cigarros. Com o fumo a inundar-lhe os pulmões, abstraía-se do mundo mesquinho actual. Mergulhava a alma no abismo onde a poesia é escrita. O bico de gás silvava, calmante, sobre a sua cabeça. As palavras tornavam-se coisas vívidas e momentosas.