Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 17: XVI - O que é a vida?

Página 104
.. Só então entendi que os homens nos aproveitam e usam para nos deitarem fora depois de servidas... Olha para mim... Envelheci. Há muito tempo que moro com o ódio. Diante do espelho, ao ver-me mirrada, tornei-me ainda mais seca. Escarnecida, deitei-me a odiar... Oh fazer gritar os homens que nos desfrutam, para depois se rirem... E sonhei... Eu sou inútil, o meu ódio murchará comigo, sem poder florir.

Inútil, velha, caída, quem toma aí a sério o meu ódio?...

O que eu tenho sonhado!... E o que eu daria para ter uma filha!...

Saiu também. Só ficaram a um canto os pobres, gastos, com fisionomias de santos e olhos murchos de tantas lágrimas choradas e que não sabiam queixar-se, e meia dúzia de desgraçados que se puseram entontecidos a narrar, numa voz amarga – a voz da desgraça. Erguiam os braços e de cansados e sinistros acreditá-los-íeis foragidos do hospital e da guerra.

Um disse:

– Eu gosto de ver sofrer! eu quero ver sofrer!...

Como ele anda a espreitar ilusões a ver se as calca.

Onde nascem flores logo as esmigalha, nada lhe sabe, nem o sol às levadas. Calca tudo e ri, tudo o que nasce, mesmo a ponta verde da erva que rompe de entre as lajes.

Um velho gasto queixa-se. Quer viver e exclama:

– Fui sempre como as toupeiras, como os bichos que, no fundo da terra, minam e cismam, minam e cismam sempre na claridade e nunca chegam a ver o sol.

– Há desgraças e dores que fazem rir – diz alguém.

Outro ri, ri sempre de aflições, de catástrofes.

Procura dores para se rir e doido ei-lo a rir e a clamar:

– Calcamos terra, hein, calcamos dor... A terra está farta de sofrer.

– Queremos ter saúde e ter risos. Eu nunca me ri, eu nunca me pude rir – prega uma boca na escuridão.

O Gabiru sente-se agarrado pelo homem que vivia nas trevas e que fugira das trevas.

<< Página Anterior

pág. 104 (Capítulo 17)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 104

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154