Os Pobres - Cap. 17: XVI - O que é a vida? Pág. 104 / 158

.. Só então entendi que os homens nos aproveitam e usam para nos deitarem fora depois de servidas... Olha para mim... Envelheci. Há muito tempo que moro com o ódio. Diante do espelho, ao ver-me mirrada, tornei-me ainda mais seca. Escarnecida, deitei-me a odiar... Oh fazer gritar os homens que nos desfrutam, para depois se rirem... E sonhei... Eu sou inútil, o meu ódio murchará comigo, sem poder florir.

Inútil, velha, caída, quem toma aí a sério o meu ódio?...

O que eu tenho sonhado!... E o que eu daria para ter uma filha!...

Saiu também. Só ficaram a um canto os pobres, gastos, com fisionomias de santos e olhos murchos de tantas lágrimas choradas e que não sabiam queixar-se, e meia dúzia de desgraçados que se puseram entontecidos a narrar, numa voz amarga – a voz da desgraça. Erguiam os braços e de cansados e sinistros acreditá-los-íeis foragidos do hospital e da guerra.

Um disse:

– Eu gosto de ver sofrer! eu quero ver sofrer!...

Como ele anda a espreitar ilusões a ver se as calca.

Onde nascem flores logo as esmigalha, nada lhe sabe, nem o sol às levadas. Calca tudo e ri, tudo o que nasce, mesmo a ponta verde da erva que rompe de entre as lajes.

Um velho gasto queixa-se. Quer viver e exclama:

– Fui sempre como as toupeiras, como os bichos que, no fundo da terra, minam e cismam, minam e cismam sempre na claridade e nunca chegam a ver o sol.

– Há desgraças e dores que fazem rir – diz alguém.

Outro ri, ri sempre de aflições, de catástrofes.

Procura dores para se rir e doido ei-lo a rir e a clamar:

– Calcamos terra, hein, calcamos dor... A terra está farta de sofrer.

– Queremos ter saúde e ter risos. Eu nunca me ri, eu nunca me pude rir – prega uma boca na escuridão.

O Gabiru sente-se agarrado pelo homem que vivia nas trevas e que fugira das trevas.





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