As minhas mãos eram negras, os meus vestidos cheiravam a terra e eu cavava. A mina era profunda como um poço. O céu esquecera-o, as árvores esquecera-as. Um dia topei pedras que me pareciam luzir como oiro puro e embebido a contemplá-las esqueci-me do tempo, da terra, do mundo... Súbito, cá fora, ouvi rir. Trepei pela terra acima e achei-me com pedras negras nas mãos, cheio de terra, feio e cego como os bichos que nunca viram o sol... E tudo era belo! Tudo o que esquecera, tudo o que desprezara!... Atónito, com as pedras inúteis na mão, olhei... E assim desperdiçara a vida à procura dum tesouro que tinha ali à mão!...
Ninguém me respondeu. Só uma mulher, curvando-se-lhe sobre o ouvido:
– Eu sei o que tu tens, eu sei o que tu tens...
– Que é?
– É pena. A vida não se torna a viver. Perdeste-a.
Esqueceste-te dela a sonhar... a sonhar!... Trocaste o sol, o ódio, trocaste a realidade por nuvens. E, aí! a vida não se torna a viver! A vida para ti foi como a água que passa pelas mãos duma dessas estátuas que tu vês nas fontes.
Nunca cessa, igual, fresca, cheia de cintilações, e nunca também estanca a secura dessas figuras de pedra... Ai, não se torna a ter na boca o sabor a sangue e a mocidade, nem as árvores são as mesmas árvores e o riso o mesmo riso. Queria ter fome e ser moça... Perdeste-a!
perdeste-a!...
– E tu?
– Eu?... Eu fui nova e todos dariam a vida por mim.
Amaram-me, mas o que eles queriam era o mármore do meu corpo e a minha boca moça e viva. As rugas vieram, mirrou-se-me o colo, seco e inútil, e então arredaram-me.
E dentro do meu peito ardia ainda o mesmo amor.
Como pode meter-se uma nuvem dentro duma pedra ressequida? Desci à humilhação, a procurar o amor que se paga. Isto! isto!.