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Capítulo 17: XVI - O que é a vida?

Página 103
As minhas mãos eram negras, os meus vestidos cheiravam a terra e eu cavava. A mina era profunda como um poço. O céu esquecera-o, as árvores esquecera-as. Um dia topei pedras que me pareciam luzir como oiro puro e embebido a contemplá-las esqueci-me do tempo, da terra, do mundo... Súbito, cá fora, ouvi rir. Trepei pela terra acima e achei-me com pedras negras nas mãos, cheio de terra, feio e cego como os bichos que nunca viram o sol... E tudo era belo! Tudo o que esquecera, tudo o que desprezara!... Atónito, com as pedras inúteis na mão, olhei... E assim desperdiçara a vida à procura dum tesouro que tinha ali à mão!...

Ninguém me respondeu. Só uma mulher, curvando-se-lhe sobre o ouvido:

– Eu sei o que tu tens, eu sei o que tu tens...

– Que é?

– É pena. A vida não se torna a viver. Perdeste-a.

Esqueceste-te dela a sonhar... a sonhar!... Trocaste o sol, o ódio, trocaste a realidade por nuvens. E, aí! a vida não se torna a viver! A vida para ti foi como a água que passa pelas mãos duma dessas estátuas que tu vês nas fontes.

Nunca cessa, igual, fresca, cheia de cintilações, e nunca também estanca a secura dessas figuras de pedra... Ai, não se torna a ter na boca o sabor a sangue e a mocidade, nem as árvores são as mesmas árvores e o riso o mesmo riso. Queria ter fome e ser moça... Perdeste-a!

perdeste-a!...

– E tu?

– Eu?... Eu fui nova e todos dariam a vida por mim.

Amaram-me, mas o que eles queriam era o mármore do meu corpo e a minha boca moça e viva. As rugas vieram, mirrou-se-me o colo, seco e inútil, e então arredaram-me.

E dentro do meu peito ardia ainda o mesmo amor.

Como pode meter-se uma nuvem dentro duma pedra ressequida? Desci à humilhação, a procurar o amor que se paga. Isto! isto!.

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pág. 103 (Capítulo 17)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 103

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154