Os Pobres - Cap. 22: XXI - A Morte Pág. 127 / 158

Se a fazem sofrer, a Mouca chora. Um dia ao ver que batiam em Sofia diz-lhe:

– E se nós nos matássemos?

– Cala-te! cala-te!

– Sabe a menina? Eu não sei que tenho, já não me importo de viver. Perdi o amor à vida. Olhe para o meu corpo. Já não tenho senão ossos. Porque será que a gente muda? Diga-me: é p’ramor do velho que se não quer matar?

– É, está calada.

– Eu cá sou assim, que quer? Às vezes, quando não tenho com quem falar, ponho-me a falar sozinha.

Antigamente não me lembravam coisas que me vêm agora à ideia. Esta vida sempre é mais negra, não é?

– É.

– Pois é, eu bem digo e mais não conheci outra.

Sempre a gente nasce com cada sina! Olhe, quando eu estiver pra morrer, não me deixe ir pra o Hospital.

– Não fales...

– Porquê? Eu bem sei como estou. Dá-se-me bem!

A gente tem de morrer, não é? Então quanto mais depressa melhor...

Uma noite que os ladrões espancaram Sofia, a Mouca pôs-se a olhá-la como um cão ao dono. Por fim disse-lhe:

– Vamos ambas ao rio, quer? Eu não me importo de morrer. Mais vale acabar. E a menina? Que ando eu a fazer neste mundo? Se a menina tem medo da água, eu deito-me primeiro ao rio.

– Não, deixa! não te aflijas!...

– Eu, sim! bem m’importo!...

De noite muitas vezes tinha aflições, sufocada.

Agarrada a Sofia:

– Oh valha-me!...

No entanto falava de curar-se, quando tornasse o sol. Por ora tudo estava transido.

– Na primavera...

– Sim, na primavera.

– Vês a Árvore, vê-la? Assim que tiver flor, é mais quentinho...

Mas veio março e depois abril e que transfor mação! Quase nada restava da Mouca, escárnio de ladrões e de soldados. Até a voz se lhe sumira...

Dia soturno, de névoa, cinzento e húmido. Começo da noite. Fora, na rua, lama e gritos; dentro as mulheres acendem um candeeiro fumarento.





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