Se a fazem sofrer, a Mouca chora. Um dia ao ver que batiam em Sofia diz-lhe: 
– E se nós nos matássemos? 
– Cala-te! cala-te! 
– Sabe a menina? Eu não sei que tenho, já não me importo de viver. Perdi o amor à vida. Olhe para o meu corpo. Já não tenho senão ossos. Porque será que a gente muda? Diga-me: é p’ramor do velho que se não quer matar? 
– É, está calada. 
– Eu cá sou assim, que quer? Às vezes, quando não tenho com quem falar, ponho-me a falar sozinha. 
Antigamente não me lembravam coisas que me vêm agora à ideia. Esta vida sempre é mais negra, não é? 
 – É. 
– Pois é, eu bem digo e mais não conheci outra. 
Sempre a gente nasce com cada sina! Olhe, quando eu estiver pra morrer, não me deixe ir pra o Hospital. 
– Não fales... 
– Porquê? Eu bem sei como estou. Dá-se-me bem! 
A gente tem de morrer, não é? Então quanto mais depressa melhor... 
Uma noite que os ladrões espancaram Sofia, a Mouca pôs-se a olhá-la como um cão ao dono. Por fim disse-lhe: 
– Vamos ambas ao rio, quer? Eu não me importo de morrer. Mais vale acabar. E a menina? Que ando eu a fazer neste mundo? Se a menina tem medo da água, eu deito-me primeiro ao rio. 
– Não, deixa! não te aflijas!... 
– Eu, sim! bem m’importo!... 
De noite muitas vezes tinha aflições, sufocada. 
Agarrada a Sofia: 
– Oh valha-me!... 
No entanto falava de curar-se, quando tornasse o sol. Por ora tudo estava transido. 
– Na primavera... 
– Sim, na primavera. 
– Vês a Árvore, vê-la? Assim que tiver flor, é mais quentinho... 
Mas veio março e depois abril e que transfor mação! Quase nada restava da Mouca, escárnio de ladrões e de soldados. Até a voz se lhe sumira... 
Dia soturno, de névoa, cinzento e húmido. Começo da noite. Fora, na rua, lama e gritos; dentro as mulheres acendem um candeeiro fumarento.