Os Pobres - Cap. 24: XXIII - A Árvore Pág. 137 / 158

O Pita sentiu que alguma coisa de extraordinário se passava nessa madrugada de abril: um jorro de vida brotara, uma aparição, um sonho realizara-se tornado em matéria. A própria luz dir-se-ia enternecida, estremecendo ao tocar na Árvore. Envolvia um fluido, um rastro de emoção.

Erguida, enorme, transformada em flor a dor que as suas raízes tinham bebido. Com um grito o Pita viu o Gabiru pendurado num ramo.

Namorara sempre, depois do escárnio da Mouca, aquela Árvore, cismando num encontro etéreo para depois da cova. A tísica, nos últimos dias, quando a morte a tocara, não tirava dos troncos despidos o olhar absorto.

– Aquela Árvore – dizia – aquela Árvore...

Não sei se repararam... As criaturas mesmo antes da agonia pertencem mais a um outro mundo do que à terra. A matéria está já toda embebida de mistério, há mais luz do que noite... As coisas que pertencem ao corpo emudecem e põem-se a falar dentro em nós a poeira de astros de que é feita a alma.

– A Árvore! A Árvore!... – dizia ela para Sofia.

– Donde nasce aquilo – olhe – que a faz tremer?

Engrossa e de noite irradia luz... Lembra-se do ano passado que pra ali veio um passarito morar? E da sua voz? Parecia água a cair...

Quando para sempre a levaram o Gabiru mergulhou na dor. Isolou-se mais. Monologava e os olhos esqueciam-se-lhe nos sítios que ela amara. As noites tinham já esse encanto que alheia, cheias de gritos, de vida no escuro, de palores esquecidos...

Altas horas à janela, todo o céu pontilhado de estrelas, ouviu soluços na quietude da noite. Caía um luar enorme e a treva tácita parecia esperar escutando.

Só muito ao longe, no silêncio que lhe pareceu pressago, dir-se-ia que uma nascente deixara correr um fio de água – só um fio.





Os capítulos deste livro