Os Pobres - Cap. 26: XXV - Natal dos pobres Pág. 152 / 158

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Na escuridão as cinzas que restam num lar fazem tristeza e saudade. Brilham, esmorecem, vão-se apagar:

são vidas que se extinguem, a alma da treva que em redor sufoca. Assim o Prédio ao abandono, sob a enxurrada, parecia cismar, como um rescaldo coberto de cinzas.

Parara trágico defronte do Hospital, e cansado, tal como um pobre ao fim da vida, contempla o seu destino.

Natal dos pobres! Natal amargo dos que não têm pão e se juntam friorentos em torno dum lume que não aquece; natal dos seres que a desgraça usou... O vinho enregela, o pão é duro, mas resta ainda este lume, que jamais se apaga: – Amanhã! amanhã!...

Que poesia tão triste não vai caindo como um choro sobre aquelas almas de misérrimos, de gebos, de prostitutas, de desgraçados!

Numa trapeira o gato-pingado quer dizer: – Amo-te!

– mas foi sempre tão nu que não sabe exprimir o que sente.

Na alma daquela criatura humilde, despida e escarnecida, que tinha medo de sonhar e até de chorar, fizera-se um clarão. Tal o espanto enternecido duma pedra a que uma raiz se apega e que a olha deitar flor na primeira primavera. – Fui eu, apesar da minha secura, pensa o calhau, que a trouxe no ventre.

Sem falar, bebem juntos, ele e a pobre, o mesmo vinho. Ele diz:

– Ambos somos desgraçados e sozinhos.

O vinho que havia aquecido dá-lho com um pedaço de pão. Ela olha-o, tendo sempre crescido por acaso e piedade, rota e triste. Havia pois alguém que a amasse?...

– Bebe.

– É tão bom a gente estar junta.

– Não se tem frio.

– Esta noite, sabes?... Lembro-me de minha mãe...

Porque seria que ela me enjeitou?

Fora choram. Ela ergue-se e vê no corredor uma rapariguinha que a mãe pôs fora da porta e que chora e pensa.

– E se eu me deitasse a afogar?

Dá-lhe do seu pão, reparte do seu vinho e, mísera, rota, ressequida, diz, pondo-lhe a mão na cabeça:

– Deus te crie para boa sorte.





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