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Capítulo 26: XXV - Natal dos pobres

Página 151

Nas temporadas fúnebres em que a água cai a golfões, a gente concentra-se e fica meio adormecida.

Os montes envolvem-se em nuvens, os bichos na terra tremem de frio sob as raízes e as folhas secas estalam e gemem com saudades ao deixarem-nos. Se por instantes se descerra a névoa, os montes são mendigos, com um grande manto remendado. Ao fim da tarde levanta-se dos campos um lindo luar azulado que sobe e se dispersa.

É a névoa. Baba de oiro luz na água e os choupos são sombras. Ao longe havia um biombo verde de pinheiros, depois montes, e depois poentes doirados... Porque é que me ponho a pensar e a cismar? Há tanto tempo que dormia! As minhas fibras esta noite estremecem. Há-de ser do luar... Oh se ainda houvesse luar!

As mulheres calaram-se. Não há ruído. Elas próprias sonham. Em torno da mesa, na cozinha saqueada, bebem sem palavra o vinho quente. Algumas pensam decerto num lar e bebem as lágrimas que caem no vinho e o gelam.

– A esta hora a minha mãezinha há-de por força pensar em mim... – começa uma.

– E tu porque não foste consoar com ela?

– Punham-me fora! queriam-me lá!... Meu pai, meus irmãos...

– Em minha casa faz-se uma consoada muito grande. Assam-se pinhas no lar, e minhas irmãs pequeninas... oh minhas irmãs pequeninas!...

E sufocada desata de repente a chorar. As outras não se riem como de costume. Só uma, sentindo que iam todas chorar, canta:

Se vires a mulher perdida...

– Raparigas, é o fado... De que serve agora chorar?

Ninguém foge ao seu fado.

– À noite a minha mãe aquecia vinho e dava-mo na cama. Sempre a gente é criada para uma vida! Quem adivinha?

– Cala-te!

– Eu era o miminho de todos, eu...

– Só eu nunca tive mãe, de mim ninguém se importa! Acabou-se! Cala-te! cala-te!.

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pág. 151 (Capítulo 26)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 151

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154