Nas temporadas fúnebres em que a água cai a golfões, a gente concentra-se e fica meio adormecida.
Os montes envolvem-se em nuvens, os bichos na terra tremem de frio sob as raízes e as folhas secas estalam e gemem com saudades ao deixarem-nos. Se por instantes se descerra a névoa, os montes são mendigos, com um grande manto remendado. Ao fim da tarde levanta-se dos campos um lindo luar azulado que sobe e se dispersa.
É a névoa. Baba de oiro luz na água e os choupos são sombras. Ao longe havia um biombo verde de pinheiros, depois montes, e depois poentes doirados... Porque é que me ponho a pensar e a cismar? Há tanto tempo que dormia! As minhas fibras esta noite estremecem. Há-de ser do luar... Oh se ainda houvesse luar!
As mulheres calaram-se. Não há ruído. Elas próprias sonham. Em torno da mesa, na cozinha saqueada, bebem sem palavra o vinho quente. Algumas pensam decerto num lar e bebem as lágrimas que caem no vinho e o gelam.
– A esta hora a minha mãezinha há-de por força pensar em mim... – começa uma.
– E tu porque não foste consoar com ela?
– Punham-me fora! queriam-me lá!... Meu pai, meus irmãos...
– Em minha casa faz-se uma consoada muito grande. Assam-se pinhas no lar, e minhas irmãs pequeninas... oh minhas irmãs pequeninas!...
E sufocada desata de repente a chorar. As outras não se riem como de costume. Só uma, sentindo que iam todas chorar, canta:
Se vires a mulher perdida...
– Raparigas, é o fado... De que serve agora chorar?
Ninguém foge ao seu fado.
– À noite a minha mãe aquecia vinho e dava-mo na cama. Sempre a gente é criada para uma vida! Quem adivinha?
– Cala-te!
– Eu era o miminho de todos, eu...
– Só eu nunca tive mãe, de mim ninguém se importa! Acabou-se! Cala-te! cala-te!.