Os Pobres - Cap. 5: IV - O Gabiru Pág. 39 / 158

O que é então a dor, milagre extraordinário, que consegue dar vida às fragas? o que é esse assombroso fluido, que se comunica, alma arrancada da própria alma e que se pode repartir como o pão? Nunca houve sob o sol criatura que sofresse da verdadeira dor, cujo sofrimento não consolasse ou salvasse. Até as mais humildes, como árvores que ainda depois de mirradas vão aquecer e alumiar os pobres.

A dor dá a vida e não é a própria vida: cria, redime, obra prodígios e nada há que se comunique, que convença, que torne os homens irmãos, como ela... Para onde vão pois todos esses gritos, unidos num só grito?

Visto que nada se perde, que é que se sustenta no infinito com essa enxurrada de lágrimas? Deus?

Por muito tempo escutei o ruído de vozes, de exasperos, de gritos de criaturas. Vinham da guerra, do Hospital, da miséria humana.

E desse mar espezinhado nasciam clarões, as nebulosas donde surgem mundos. Esse eterno rio de gritos, a correr desde que o homem existe, vai desaguar no infinito.

E que a dor é a única força que verdadeiramente cria e destrói: é a Força. Alimenta Deus e o limo. É um atlântico de fogo, é o espírito do universo. Cria claridades na alma dos desgraçados e faz nascer montanhas.

As árvores são emoções da terra.

Sonhai! sofrei!

Este mundo é talvez, como disse um filósofo desconhecido, uma gota caída dum oceano infinito de beleza.

O universo é o sonho dolorido de Deus.

Nada se perde. A alma, as ideias e as emoções, fazem parte da força que faz florir o céu e os humildes pomares ignorados.

Eu colecciono a dor. Passo a vida a juntar farrapos desse manto em fogo.

O mundo é misterioso, cheio de gritos. A cada passo um túmulo donde renasce um amálgama, uma poeira verde, azul, doirada, cova onde o Desconhecido remexe formas: o mar, as cri aturas, as pedras, as tempestades, tudo vivo e a falar! O homem passa inconsciente, mas eu tremo de pavor.





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