Estas pobres criaturas que vivem no mesmo prédio em que eu habito, ladrões, filósofos, coveiros, mulheres perdidas, são esmagadas para que alguma coisa se crie. Geram o mistério e o mar bravo da dor. Sob a nossa vista indiferente a cada passo se cumpre um milagre: sol, água a nascer, pinheiros bravios e vivos!...
Escutai... As coisas choram. Nesta noite de frio inverno – ventania – o que as coisas dirão!... – o vento despedaça-as e é sempre triste ouvir cair tantas lágrimas.
Por momentos quedam-se numa quietação, como se ficassem a escutar ou a falar baixinho entre si...
Eu tremo e, para me esquecer, deito-me a escrever o meu livro A Árvore. E do lodo destas coisas humildes que eu construo a minha estátua disforme...
Ora uma tarde destas, embebido nos meus pensamentos como num largo horizonte, não reparei que pela porta aberta alguém entrara. De forma que tive um sobressalto, ao ouvir a meu lado numa voz pausada:
– Maquinações filosóficas, meu preclaro amigo...
– Hein?
Era o Pita, mas o Pita transfigurado e triste; o Pita com dentes de menos e não sei que doloroso sorriso; o Pita mais velho e mais sórdido.
– Maquinações filosóficas, meu preclaro amigo.
A realidade é triste e amarga. Isto que daqui vê e não compreende, árvores, montes e águas, é no fundo tão revolvido e espezinhado como o lodo humano. Vem uma raiz e despedaça outra raiz, um braço que se crie empurra logo outro braço. Cada monte gera tanto ódio como o coração do homem.
– Porventura o amigo já viu árvores ao pé? Eu só vi a do saguão.
– Sim, conheço-as não só dos bons autores, como de ter dormido à sua sombra movediça e fresca... São diferentes: são vivas e enormes...
– E o mar?
– O mar, que daqui vê ao longe, todo de poeira verde, é trágico e feroz.