Os Pobres - Cap. 8: VII - Primavera Pág. 54 / 158

O Fado as faz nascer e as traga. Triste é sempre a vida – lágrimas, pancadas, pão, e assim as leva a sorte até à cova. Ouvi: esta seiva dolorida fará nascer um dia alguma misteriosa Árvore.

São unidas, sustentam-se na desgraça. Os amantes moem-nas e elas humilham-se, tão triste é não ter ninguém a quem amar. E as desgraçadas, aquelas que, de confundidas com a lama, se não enxergam, são as que de todo se sacrificam por eles. Míseras criaturas, a quem se paga com injúrias, quanto mais afundadas na desgraça e mais pobres, quanto mais perto da enfermaria e da morte, mais sentem a necessidade de amar. Ficam dias sem pão para que os amantes o tenham. Tiram a última camisa do corpo para lhes dar de comer. As arroladas matam-se se as desiludirem. Seres de ignomínia só amam idealmente. Assim será o amor das ervas, dos sapos, das nascentes, de tudo o que na natureza é pequenino ou disforme. O Sonho para o esgoto é a única realidade.

A casa é trágica, de tectos negros, sumidouros, corredores onde toda a gente agoniza uma luz de petróleo.

Há mulheres tísicas, com tosse e a tábua do peito rasa! há-as que insultam quem entra para serem espancadas. A filha do Gebo, Sofia, é alta, curva, cansada, e tão cheia de resignação que perece morta; outra, Luísa, a quem chamam a Asilada, quase não fala.

Olha soturna, com os negros cabelos violentos todos soltos e a fisionomia empedrada de mágoa.

Ao fundo divide a casa um corredor com cubículos.

Às vezes, altas horas, tudo sereno, ouve-se na escuridão um ruído de choro sufocado.

Fora vê-se o hospital e a rua negra, onde o enxurro humano sem cessar carreia detritos, lágrimas, sonho.

Especadas às esquinas criaturas esperam... Parecem pedaços de noite destacados da própria noite.





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