Os Pobres - Cap. 9: VIII - Memórias de Luísa Pág. 61 / 158

Livrá-las-eis do Asilo, da caridade, da vida.

No dormitório tudo era regular, branco e monótono, e, apesar de branco, fúnebre. O sol, que entrava pelas janelinhas, abertas numa muralha de prisão, era pálido e, mesmo de verão, parecia um sol de inverno; as camas, todas de branco, alinhavam-se encostadas às paredes caiadas e nuas; só no fundo, por cima da cama da Irmã, um Cristo de louça azul manchava aquela brancura.

O recreio não era na cerca do convento. Brincávamos sem barulho no claustro. Parece que tinham medo de nos mostrar árvores e sombras. O claustro...

Por cima via-se sempre, engastado no beiral, um rectângulo do céu, e a sombra geométrica estendia-se cá em baixo. Dum lado era sempre frio e húmido: as paredes tinham musgo. Ao meio do claustro um golfinho de pedra deitava gota a gota, pelos dentes cariados, um fio de água frígida. De tudo aquilo saía uma paz transida de sepulcro.

Só andorinhas cortavam em cima o céu, mas duma vez que em março vieram, afadigadas e chilreando, fazer ninho no beiral, as religiosas deitaram-lhos abaixo.

Destruí-los porquê? Os restos, farrapos de penugem quente, ternos diríeis, andaram por muito tempo no claustro. Passaram de mão em mão com alvoroço.

Algumas das asiladas cismavam, olhando-os: as mais pequeninas brincavam com eles. Uma disse:

– É um berço...

Destruí-los porquê? Para que não soubéssemos que as aves têm mãe e cuidam dos filhos? Para que não tivéssemos saudades das nossas, que não conhecêramos?

Para que ignorássemos?... Mas que candura a das Irmãs se era por isto! Nós pressentíamos, adivinhávamos tudo aquilo e quando uma das mais pequeninas explicou às que faziam roda: – É o berço dos passarinhos... – quantas de nós já tinham cismado num berço assim agasalhado e fofo!.





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