Os Pobres - Cap. 15: XIV - O escárnio Pág. 89 / 158

Pelo tronco corriam estremeções.

Debruçado na trapeira, fascinado olhava os galhos esbranquiçados, ainda nua, mas – como direi?–já vestida de emoção.

– Aquela Árvore... – murmurava ele cismático. Em baixo corria sempre a levada, lágrimas, gritos, gargalhadas, lama espezinhada que fala, lodo misturado de sonho, logo nascido, logo atirado à arena, gebos, prostitutas, monstros em cujo corpo de sapo habita a alma dum deus. Porquê? donde? De que ruínas se constroem estes seres que o destino marcou com dedadas trágicas?

São feitos de pedaços de estátuas e loucura. Falam em gíria. Se riem são o Riso e é como se dentro deles andasse um doloroso palhaço aos saltos. Têm olhares de desespero e de ódios. Eis um rio de gritos que brotou para sofrer. É a noite que anda a arquitectar de neblinas os seres destinados à arena? Este esgoto que passa, todo revolvido, pela natureza indiferente, é porventura necessário e fecundante?...

Todos os dias o Gabiru lá vai sentar-se olhando a Mouca entre os ladrões e os soldados, que a noite surgem para se rirem das lágrimas e dos gritos. Entre a turba sinistra vem sempre o velho, calado e feroz, que só ri com uma boca disforme, e o Morto, que fala com desprezo do sofrimento, das mulheres, da morte. O Gabiru, encolhido e triste, põe-se ao seu lado a olhar para a Mouca e vai tecendo o seu sonho. Toda a noite é uma mistura de gritos, de lágrimas e risos. Espancam as mulheres e quando elas choram, caídas, tornadas em escárnio, ínfimas como a terra, todos eles riem, com um anh! de satisfação por as fazerem sofrer.

Mas um deles nessa noite repara no Gabiru, perdido a um canto sem ver nem ouvir, ridículo, esguio, alheado. Aponta-o e logo a turba emudece.

O Morto, pondo-lhe a larga mão no peito:

– Ó tu!

– Anh?

– Tu que andas aqui a fazer, ó Gabiru?

Logo o Velho escancara as faces e todos os outros de repelão se erguem.





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