– Esperem... Tu não ouves? 
– Anh? – diz ele, acordando estonteado. – Anh? 
Então o Morto, que aperta sempre uma contra a outra as mãos geladas, como se tivesse vontade de maltratar, clama: 
 – Acho que é poeta! Dizem que é poeta!... 
E em torno pega-se o riso feroz como um mar que sobe. As mulheres, que foram sempre maltratadas, chegam-se rotas, tísicas, rasas como o chão: 
– É o poeta! 
Há olhares vesgos, de ódio, lume que gela e arde. 
A maldade ressurge. Vão-se rir, vão espezinhar. Logo o coro de gargalhadas e de gritos estruge. 
– Olhai pra ele... Sabeis como lhe chamam? 
chamam-lhe o Gabiru. 
– É o enguiço – diz a Mouca. 
– Olha lá – avança outro – onde metes tu essas pernas? 
– Anh? – pergunta o Gabiru sem entender ainda, tonto de sonho. 
E fita os ladrões e as mulheres que formam roda. 
Esguio e transido de frio, dentro do casaco de alpaca, pela primeira vez descobre, à luz do candeeiro fumarento, a triste realidade, as mulheres da vida, os seres de descalabro, as cara dos ladrões. Há fisionomias de pavor, e em semicírculo, chegam-se para ele, de bocas escancaradas, só bocas. Ninguém se ri da dor física como os pobres, que só admiram a força. 
– Tu que andas aqui a fazer, ó Gabiru? 
Ele espantado acorda: 
– Anh? 
Olha-os tonto, magro, esfaimado. Através da névoa do sonho vê a realidade, e entre o circulo dos ladrões e  das mulheres acha-se transido, tímido e torto. Em redor os outros sentem que vão fazer mal. Vão-se rir do que é pobre e desajeitado; vão-se rir do que não compreendem – do sonho. 
– Acho que é poeta!... 
E os ladrões ululam. O riso é ódio, o riso ignaro é ódio da matéria contra o espírito. Tem este nome – o escárnio. Ajuntam-se os ladrões e as mulheres para gargalharem daquele ser encolhido e torto.