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Olha: eu sinto-me distante de ti, para que não fujas desfeita em luar. Gostava tanto de sentir a tua mão pousada na minha cabeça, tanto! Olha!...
Sob a Árvore – realidade ou ilusão? – uma figura se constrói de luar, na sombra opaca uma tremulina toma forma. Juntam-se os fios de luar, amontoam-se névoas e alguma coisa treme, prestes a fugir – mas viva! viva!...
Diríeis que é só um sorriso, um olhar muito triste... O Gabiru corre e tudo se esvai... Só a Sombra resta e um ruído de gotas de luar tombando sobre a Árvore.
Ele sorri e diz:
– Eis como se cria uma alma!
Todas as noites, muito tarde volta para ao pé da Árvore.
– Uma é terra, outra é luar – murmura. Quanto mais a Mouca sofre, mais esta se cria. Oh, não me fujas!
Vens com a noite, melancólica e pálida como as mortas arrancadas ao sepulcro. Criei-te de lágrimas. Os teus cabelos esparsos perdem-se na sombra. Nunca vi na escuridão os teus olhos, mas sinto a irradiação da tua alma!...
O Gabiru, na noite branca e calada, sente-a aproximar- se e olhá-lo muito tempo.
– Minha alma!
Nem um murmúrio. Noite a noite era mais o luar.
Absorvia tudo. A sua claridade misteriosa diluía a terra e as coisas. A Árvore imensa e só dor, a Árvore esmaecida, toda se desfazia em pó claro. E noite a noite também a Sombra opaca se tornava mais espessa e funda.
A certas horas o silêncio estremecia, num ai baixinho e triste. Era a criação! A alma da Sombra acordava. Ei-la!
ei-la!...
– Minha vida!
Via-a perfeitamente. O oval do rosto pálido, os negros cabelos compridos, inteiramente feita de sonho e de lágrimas. Só os olhos se perdiam em duas sombras, cega talvez de tanto ter chorado – por a outra rir.
– Não fujas!
Correu um dia para a Sombra.