Os Pobres - Cap. 1: Carta-Prefácio Pág. 15 / 158

O seu poema é a história da escalada trágica do seu calvário. Mil vezes o meu amigo tomou nos ombros a cruz da dor e da paixão, e outras tantas a deixou cair, exausto, com ais de desânimo, ou a sacudiu exasperado, cuspindo invectivas no lenho duro do resgate. Mas por fim, sangrando e chorando, galgou a montanha do erro e do sofrimento. Chegou a Deus, e em Deus ficaram imóveis e serenos os olhos tristes da sua alma. Polarizouse em Deus, de vez e de vontade. Livre, enfim! Libertouse.

Não volte à servidão, à escravatura negra e demoníaca. Mantendo-se liberto, a obra de hoje, patética, mas angustiosa e desigual, a obras futuras, vastas, claras e radiantes, servirá de entrada e de prefácio. A arte vale mais ou menos segundo a porção de amor que abrange e que revela. A arte soberana é a que conjuga a natureza toda, – homens e monstros, águas e árvores, pedras e nuvens, sóis e nebulosas, com o verbo infinito e perfeito, o único verbo criador, que é o verbo amar. O universo atómico, partículas inúmeras e vagabundas, fraterniza em Deus, unificado numa só alma e num só corpo.

Rezar o universo é polarizá-lo no infinito amor.

Cantar não basta. Rezar é mais. Rezar é o superlativo divino de cantar. A oração é a canção angelizada, a canção chorada e de mãos postas. O universo absorve-a, compreende-a. Ouve-a Deus, os homens escutam, e as ondas, as águas e os rochedos, vagamente a percebem, como um hálito amigo, uma carícia branda e luminosa.

Reze todas as dores, pobrezas, misérias, lutos, sofrimentos. Reze o lodo e o sangue, o ninho, o covil, o hospital, o cárcere, a enxovia, a terra trágica, ulcerada de mortes, e a noite côncava e fúnebre, ulcerada de sóis e de nebulosas. Reze a dor, mas reze também a alegria, que é dor vencida e desbaratada pelo amor.





Os capítulos deste livro