Cândido - Cap. 19: CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin Pág. 67 / 118

- Pois bem - tê-las-eis - respondeu-lhe Cândido. «Olá!», disse para consigo o mercador. «Este homem dá vinte mil piastras com a mesma facilidade com que dá dez.»

E voltou novamente a dirigir-se-lhe, dizendo-lhe que só por trinta mil piastras o poderia conduzir a Veneza.

- Tereis as trinta mil piastras - acedeu Cândido.

«Oh, oh!», considerou novamente o negociante, «trinta mil piastras nada custam a este homem. Certamente, os dois carneiros transportam riquezas imensas. Não insistamos mais. Deixemo-lo pagar as trinta mil piastras adiantadamente e depois veremos.»

Cândido vendeu dois pequenos diamantes, o menor dos quais "alia mais do que a importância pedida para fretar o barco. Os dois carneiros foram levados para bordo. Cândido seguia num barquito para alcançar o navio, que se achava ao largo. De repente, vê que o patrão desfralda as velas, levanta a amarra e, auxiliado pelo vento, se afasta velozmente. Cândido, indignado e estupefacto, depressa o perde de vista.

- Ai de mim - exclamou ele -, eis uma proeza digna do velho mundo!

Regressa a terra, louco de dor, porque, no final de contas, tinha perdido uma fortuna com que podia comprar vinte reinos.

Dirigiu-se, em seguida, a casa do juiz holandês e, como estava um pouco agitado, bateu violentamente à porta. Entrou, expôs o seu caso, gritando um pouco mais alto do que convinha. O juiz começou por lhe fazer pagar dez mil piastras pelo barulho que fizera. Escutou-o depois pacientemente e fez-lhe pagar outras dez mil piastras pelas despesas da audiência.

Este procedimento acabou por desesperar Cândido. Experimentara, na verdade, reveses mil vezes mais dolorosos, mas D sangue-frio do juiz e o cinismo do patrão que o havia roubado deram-lhe cabo do fígado e mergulharam-no numa melancolia profunda.