- Deus me livre de os levar a Buenos Aires - disse o patrão. - Seriam ambos enforcados. A bela Cunegundes é a amante favorita do governador.
Foi como se um raio tombasse aos pés de Cândido. Chorou durante muito tempo e, por fim, chamou Cacambo à parte e disse-lhe:
- Eis, meu amigo, o que é preciso que faças. Cada um de nós tem nos bolsos cinco ou seis milhões de diamantes. Tu és mais hábil do que eu; por isso, irás a Buenos Aires buscar a menina Cunegundes. Se o governador puser algum entrave, dá-lhe um milhão. Se não ceder por um milhão dá-lhe dois. Não mataste nenhum inquisidor e ninguém desconfiará de ti. Quanto a mim, fretarei outro navio e irei esperar-te a Veneza, que é uma cidade livre, onde não temos a temer os Búlgaros nem os Ábares, os judeus nem os inquisidores.
Cacambo aplaudiu esta resolução. Sentia pena por ter de se separar do seu amo, agora seu amigo íntimo, mas o prazer de lhe poder ser útil sobrepôs-se à dor de o deixar. Abraçaram-se a chorar. Cândido recomendou-lhe que não se esquecesse da boa velha. Cacambo partiu nesse mesmo dia. Era uma excelente criatura, este Cacambo.
Cândido ficou em Suriname durante algum tempo ainda, à espera de encontrar outro navio que o quisesse levar para Itália com os dois carneiros que lhe restavam. Tomou alguns criados e comprou tudo o que lhe era necessário para uma longa viagem. Por fim, o Sr. Vanderdendur foi procurá-lo, pois era dono de um grande navio.
- Quanto quereis vós - perguntou-lhe Cândido - para me levardes directamente a Veneza, a mim e aos meus criados, a minha bagagem e os dois carneiros que vedes ali?
O armador pediu-lhe dez mil piastras e Cândido nem sequer regateou o preço.
«Oh, oh», pensou o prudente Vanderdendur, «deve ser muito rico, este estrangeiro, para que me dê dez mil piastras sem regatear!» Por isso, voltou daí a pouco e deu-lhe a entender que não o poderia levar por menos de vinte mil piastras.