A maldade dos homens apresentava-se-lhe em toda a sua fealdade e o espírito alimentava-se-lhe unicamente de ideias tristes. Por fim, apareceu um navio francês que partia para Bordéus, e Cândido, como já não tinha carneiros carregados de diamantes para embarcar, alugou uma câmara do barco pelo seu justo preço e fez anunciar pela cidade que pagaria a passagem, a alimentação e ainda duas mil piastras a um homem que o quisesse acompanhar na viagem, na condição de que fosse o homem mais desgostoso com o seu destino e o ser mais infeliz de toda a província.
Apresentou-se-lhe uma multidão tal de pretendentes que nem uma frota chegaria para os transportar. Cândido, querendo escolher pelas aparências, separou uma vintena dos que lhe pareceram mais sociáveis, reuniu-os no seu camarote e convidou-os para jantar, com a condição de cada um deles contar a sua história e prometendo-lhes escolher o que de entre eles parecesse mais infeliz e mais descontente com a vida, não se esquecendo de dar aos restantes uma gratificação.
A sessão durou até às quatro horas da manhã. Cândido, ao ouvir as suas aventuras, lembrou-se muitas vezes do que a velha dissera, quando iam para Buenos Aires, quando afirmara que não haveria ninguém no navio a quem não tivessem acontecido grandes desventuras. A cada aventura que lhe contavam, lembrava-se de Pangloss e dizia:
- O bom Pangloss teria sérias dificuldades em demonstrar o seu sistema! Quem me dera que ele aqui estivesse! Sem dúvida alguma, se tudo vai bem, é no Eldorado, e não no resto do mundo.
Acabou, enfim, por se decidir a favor dum infeliz sábio que trabalhara dez anos para as livrarias de Amesterdão, por lhe parecer que não haveria profissão no mundo mais detestada que a das letras.