Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 153 / 241

Tinham duas canoas que haviam arrastado para a costa; e como então era o momento da maré, pareceu-me que aguardavam a sua descida para regressarem. É difícil imaginar o susto que a princípio me causou a sua presença naquele lado da ilha e tão perto de mim; mas quando considerei que o seu desembarque tinha sempre lugar no instante da preia-mar, tranquilizei-me um pouco e calculei que poderia sair na altura da baixa-mar sem qualquer perigo, desde que ninguém me tivesse descoberto antes na praia, observação que me fez continuar a pesquisa com a maior tranquilidade. Sucedeu, efectivamente, o que eu supusera: assim que a maré começou a vazar, vi que os selvagens se metiam nas canoas e se afastavam à força de remo.' Esquecia-me de dizer que uma hora antes de embarcar se puseram a dançar, e que com o óculo de alcance pude até distinguir as suas posturas e gestos.

Logo que vi que tinham embarcado e partido, saí com duas escopetas aos ombros, duas pistolas à cintura e um sabre comprido sem bainha às costas; e com toda a ligeireza possível corri para a colina, onde vira os selvagens pela primeira vez. Levei duas horas a lá chegar, pois não podia caminhar depressa carregado como ia com armas; chegado ali, observei que também naquela banda haviam estado mais três pirogas; e, fitando ornar, distingui que se dirigiam, de certeza, com as outras para o continente.

Em seguida desci à praia, e logo se me apresentou à vista um espectáculo horroroso: eram os restos de um infame festim, ossos, sangue e desperdícios de carne humana que tinham devorado no meio da maior alegria. À vista daqueles horrores senti tal indignação que pensei de novo em cair sobre eles quando voltassem, mesmo que em grande número.

As suas visitas à ilha deviam ser muito raras, apesar de tudo, pois se passaram mais de quinze meses antes de tornar a ver selvagens outra vez. É muito possível que voltassem uma ou duas vezes no dito intervalo, mas devem ter permanecido muito pouco tempo pois nem cheguei a dar por isso. Foi no mês de Maio, segundo os meus cálculos, e no vigésimo quarto ano da minha estada naquelas paragens que tive com eles o singular encontro, de que falarei na devida altura.





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