Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 154 / 241

A minha perturbação de espírito foi grande durante aqueles quinze ou dezasseis meses. Dormia muito inquieto; tinha sonhos horrorosos e, frequentemente, acordava sobressaltado. Durante o dia, oprimia-me uma inquietação devoradora, e durante a noite só sonhava em matar selvagens e em arranjar motivos para justificar tal acção. Mas deixemos isto por uns momentos.

Em meados do mês de Maio, creio que no dia 16, conforme pude ver no meu pobre almanaque de madeira, fez todo o dia um vento impetuoso, acompanhado de relâmpagos e trovões, e seguido de uma noite espantosa. Estava a ler a Bíblia e fazia graves reflexões acerca da minha situação, quando fui surpreendido por um barulho parecido com um tiro de canhão disparado no mar.

Esta surpresa foi muito diferente das que me haviam colhido até então, e sugeriu-me pensamentos muito diversos. Saí com a maior rapidez possível e, num instante, apoiando a escada no penhasco, subi à plataforma que os meus leitores já conhecem. Nesse momento, uma claridade súbita anunciou-me um 'segundo tiro de canhão, que com efeito ouvi meio minuto depois; pelo barulho parecia provir do lado do mar para o qual a minha chalupa fora arremessada pelas correntes.

Julguei ao princípio que se tratasse de algum buque em perigo e que disparasse os tiros de canhão em caso de desespero e para pedir socorro a alguma outra embarcação que o acompanhasse. Reflecti logo que se eu não podia prestar-lhe qualquer ajuda, talvez ele ma pudesse dar a mim; assim, juntando toda a lenha seca que pude, levei-a para a colina e fiz uma grande fogueira com ela. A lenha estava efectivamente seca e, não obstante a violência do vento, ardeu muito bem; fiquei com a certeza de que a embarcação, se realmente o era, devia ver o fogo. Sem dúvida que assim foi, porque mal a chama brilhou, ouvi um terceiro tiro de canhão seguido de muitos outros, sempre para o mesmo lado.





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