Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 162 / 241

Desejei algumas vezes fazer uma nova visita ao buque naufragado, embora a razão me demonstrasse que não encontraria nada que me pudesse compensar dos perigos de tal viagem; outras vezes pensava em fugir, ora para um lado, ora para outro; creio que na verdade, se dispusesse da chalupa com que me salvei de Salem, me teria arriscado a navegar sem saber onde iria parar.

Em todas as circunstâncias da minha vida, a conduta por mim seguida pode servir de exemplo àqueles que estão feridos da praga comum entre os homens e da qual derivam, em meu entender, metade das suas desgraças; refiro-me aos que nunca estão satisfeitos com a posição em que Deus e a Natureza os colocaram.

Antes de prosseguir a minha história, será muito conveniente, para melhor conhecimento dos leitores, dar alguns pormenores acerca de todos os planos ridículos que formei para sair da ilha, e das causas que às motivavam.

Imagine-se que estou agora retirado no meu castelo, depois da viagem ao buque naufragado; a minha piroga desmantelada e posta em segurança no sítio do costume; a minha condição era, finalmente, a mesma de antes. O meu tesoiro havia, é certo, aumentado, mas eu nem por isso ficara mais rico, pois o oiro era para mim tão inútil, ou mais ainda, como para os habitantes do Peru antes da chegada dos espanhóis.

Numa noite chuvosa do mês de Março do vigésimo quarto ano da minha vida solitária achava-me no meu leito ou rede, acordado, gozando de perfeita saúde, sem qualquer cuidado, qualquer indisposição, nem de corpo nem de alma e, apesar disso, era-me impossível conciliar o sono. Assim passei a noite; ser-me-ia difícil expressar o tropel de ideias que me galopavam pela imaginação.

Recordava resumidamente os acontecimentos da minha vida passada, tanto antes do naufrágio como depois dele. Reflectindo em tudo quanto me havia sucedido depois da chegada à ilha, entrei numa aflitiva comparação dos primeiros anos de clausura com os que passava entre o medo, depois de ter visto o pé de um homem impresso na areia.





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