Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 164 / 241

Também perguntava a mim próprio como poderia chegar às suas praias sem ser impedido pelas suas canoas; por último, se me saísse bem deste perigo, como chegaria a arranjar provisões, e para que ponto me dirigiria. Nenhuma destas ideias me ocorreu: o meu ânimo encontrava-se inteiramente preocupado com o pensamento de passar para terra firme. Considerava a minha actual posição tão desgraçada que nem pensava poder encontrar nada melhor do que a morte. Esperava, por outro lado, achar socorro, dirigindo-me para o continente, ao longo da costa, como fizera em África, até descobrir uma terra habitada onde me quisessem acolher. Aliás, podia ter a sorte de na minha travessia dar com algum buque cristão que me recolhesse a bordo; enfim, encarando o pior, poria de certeza termo a todos os meus infortúnios. É preciso notar que esta estranha resolução era fruto de um espírito perturbado e impaciente, excitado por uma inquietude contínua, levado pela esperança de encontrar a bordo do buque naufragado o que tão ardentemente desejava: um homem com quem falar, que me tivesse revelado onde me encontrava, e como poderia fugir dali.

Vi-me de tal modo agitado por estes pensamentos que, por algum tempo, ficou suspensa a calma que a minha resignação à Providência e a minha submissão à vontade celeste outras vezes me tinham dado. Não estava em mim renunciar àquele projecto de viagem que se me apoderou do espírito com uma impetuosidade irresistível. Durante duas horas fui arrastado com tanta violência por essa paixão que o sangue me fervia e o pulso latia como se tivesse a febre mais ardente; finalmente, fatigado e aniquilado, caí num sono profundo.

Vai, sem dúvida, julgar-se que sonhei com o projecto que tanto me ocupara; mas não, nada havia que mo recordasse. Sonhei que, tendo saído uma manhã do castelo como era hábito meu, via na costa duas canoas e onze selvagens que desembarcavam um desgraçado preparando-se para o matar e comer, quando de repente o selvagem a quem iam degolar saltou em terra e se pôs a fugir para salvar a vida.





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