Tratei de averiguar se conhecia algum meio de nos dirigirmos da ilha até onde estavam aqueles homens brancos, e retorquiu-me:
- Sim, sim, eu poder ir em duas canoas.
Não percebi ao princípio o que queria ele dizer, e o que entendia por duas canoas. Por fim, lá explicou com muito trabalho que queria dizer uma canoa tão grande como duas das outras.
Esta última parte do diálogo com Sexta-Feira causou-me uma grande alegria; e a partir desse momento alimentei a esperança de, mais cedo ou mais tarde, encontrar ocasião favorável para sair da ilha, contando, claro, com a ajuda do meu pobre selvagem.
Desde que Sexta-Feira se encontrava comigo, e tinha começado a falar e a compreender-me, não descurara de lhe assentar na alma os primeiros fundamentos dos conhecimentos religiosos. Um dia, entre outros, perguntei-lhe quem o havia criado. O pobre não me compreendeu; pensou que queria saber quem era o pai dele. Alterei a pergunta, e disse-lhe quem é que fizera o mar, a terra onde estávamos, os bosques e as colinas. Respondeu que fora um ancião chamado Benamuki, que existira antes de todas as coisas. Nada pôde dizer-me sobre este grande personagem a não ser que era muito velho, muito mais velho do que o mar e a terra, a Lua e as estrelas. Interroguei-o então por que razão aquele ancião, tendo feito todas as coisas da Terra, não era adorado por todas essas coisas. Ficou muito sério e disse-me com ar de simplicidade perfeita:
- Todas as coisas lhe chamam O!
- E os que morrem na tua terra vão depois para alguma parte? - perguntei-lhe.
Ele replicou:
- Sim, vão ter com Benamuki.
- E os que se comem também vão?
- Também - respondeu.
Aproveitei aquela ocasião para o instruir no conhecimento do verdadeiro Deus.