Aquele espectáculo renovou a minha dor, pois vi com toda a evidência que se tivéssemos ficado a bordo, toda a tripulação teria chegado a terra sã e salva; e eu não me veria privado de todo o conforto naquela solidão. Tais reflexões arrancaram-me lágrimas, mas como elas não serviam de muito, propus-me chegar até ao buque, se fosse coisa praticável.
Como estava um calor excessivo, despojei-me do fato e lancei-me à água. Quando cheguei ao pé do buque vi que era mais difícil subir para ele do que pensara, porque como o barco estava varado e fora de água, carecia de meios para subir. Dei, por duas vezes, a volta à embarcação, a nado; na segunda vez avistei o cabo de uma corda que me admirei de não ter visto antes, e que pendia das correntes da proa, tão baixo, que me agarrei a ele sem dificuldade e assim trepei até ao castelo da proa. Vi então que a embarcação estava meio aberta e que havia muita água no fundo do porão, mas encalhara num banco de areia muito duro ou, antes, num banco de terra, e que a sua popa se elevava muito, enquanto a proa quase se sumia na água. Portanto, o castelo da popa conservava-se em muito bom estado, e tudo o que nele se encerrava estava seco. A primeira coisa que fiz foi percorrer todo o barco e ver onde ele sofrera avarias e o que se encontrava intacto. As provisões não tinham sofrido nenhum contratempo. Devorado pela fome, dirigi-me ao armazém dos víveres e comecei a comer, ocupando-me ao mesmo tempo de outras coisas porque não tinha um minuto a perder. No camarote do comandante encontrei rum, do qual bebi um bom trago, pois tinha grande necessidade de algo para recuperar o ânimo. Já só me faltava um bote para carregar os objectos que julguei me viriam a ser precisos.
Em tal situação não devia perder tempo a desejar coisas impossíveis de alcançar; a necessidade tornou-me engenhoso. A bordo tínhamos de reserva várias vergas, dois ou três pequenos mastros e um ou dois mastaréus de joanete.
