E não ter aberto mais cedo os olhos neste ponto resulta para mim a maior indecência de que a humanidade é responsável. Vejo nisso a ilusão sobre si própria tornada modo natural de ser, a vontade de ignorar sistematicamente tudo quanto acontece, toda a causa, toda a realidade, espécie de moeda falsa em matéria psicológica que chega a ir até ao crime. A cegueira perante o cristianismo, eis o crime por excelência - o crime contra a vida. As civilizações milenárias, os povos, tanto os primeiros como os últimos, os filósofos e as beatas – com excepção de cinco ou seis momentos da história, eu sou o sétimo - são neste ponto dignos uns dos outros. O cristão foi até agora o «ser essencialmente moral», singularidade sem exemplo, e, enquanto ser moral, foi mais absurdo, mais vaidoso, mais frívolo e prejudicou-se mais a si próprio do que poderia imaginar, até em sonho, o homem que mais desprezasse a humanidade. A moral cristã - a forma maldosa de querer de que foi capaz a mentira - é a Circe da humanidade e foi quem a corrompeu.
E diante deste espectáculo, não é o erro enquanto erro que me aterra, não é a falta de «autêntica vontade», que dura há milhares de anos, a falta de disciplina, de decência, de valentia nas coisas do espírito, que se surpreendem entre os motivos da vitória desta moral; é a falta de naturalidade, o facto espantoso de a própria «contra-natureza» receber as mais altas honras sob o nome de moral, ficando suspensa, por cima da cabeça da humanidade, como sua lei, seu imperativo categórico!...
Haverá ainda alguém que se equivoque a tal ponto, não como indivíduo não como povo mas como humanidade?.. Ensinou-se a desprezar os instintos primordiais; imaginou-se também enganadoramente a existência de uma «alma»,