Ecce Homo - Cap. 3: Porque sou tão sagaz Pág. 31 / 115

É-me completamente indiferente que este ou aquele mude de cor, se vista de vermelho e exiba um uniforme de hussardo.. . Ora!... Pois bem, Wagner era um revolucionário - fugia quando via um alemão... Como artista, não se tem outra pátria na Europa a não ser Paris; a finura em todas as cinco direcções, em que a arte de Wagner se realizou o dedo para as cambiantes a penetração psicológica, só em Paris se encontram. Em nenhuma outra parte existe esta paixão pelos problemas da forma, esta seriedade na mise em scène: tal é por excelência a seriedade de Paris. Na Alemanha não se tem ideia da imensa ambição que vive na alma de um artista parisiense. O alemão é pesado; Wagner não o era de modo algum... E já indiquei (em Para Além ao Bem e do Mal), qual é a situação de Wagner no mundo da arte e onde tem os seus parentes próximos; estão estes no romantismo francês daquela espécie sublime e arrebatadora a que pertencem artistas como Delacroix, como Berlioz, que possuem no fundo do seu ser alguma coisa de doentio, de incurável, puros fanáticos da expressão, virtuosas de ponta a ponta... Quem foi o primeiro partidário inteligente de Wagner? Charles Baudelaire, o mesmo que antes de ninguém compreendeu Delacroix, esse primeiro decadente típico em quem se reconheceu toda uma geração de artistas - e que foi talvez também o último...

Que é que eu nunca perdoei a Wagner? Que ele condescendesse com a Alemanha, que se tornasse alemão do Império... Ali onde a Alemanha chega, corrompe a cultura.

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Para tudo confessar, a juventude não me teria sido suportável sem a música wagneriana. Estava então condenado aos alemães. Quando pretendemos libertar-nos de uma opressão intolerável, tomamos haschich. Pois bem: eu tomei Wagner.





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