Nisto tudo estava, porém, a fatalidade; vi-me forçado a regressar. Ao fim e ao cabo, quando me senti cansado de andar à procura de um sítio que fosse «anticristão», tive que dar-me por satisfeito com a praça Barbarini. Receio, afinal, que para fugir quanto possível aos maus cheiros só no próprio palácio Quirinal me tivesse sido dado encontrar habitação calma e própria de um filósofo.
Numa loggia que domina a aludida piazza, de onde se abrange toda a cidade de Roma, e se ergue acima de nós o ruído profundo da fontana, escrevi aquela canção solitária como nenhuma outra, a Canção da Noite; obsidiava-me nessa época uma melodia de melancolia indizível, que traduzi no refrão: Morte da imortalidade...
No Verão, ao regressar àquele lugar sagrado, onde o primeiro lampejo da ideia de Zaratustra me iluminara, achei a segunda parte. Dez dias bastaram: em caso algum, nem para a primeira, nem para a segunda, nem para a última, levei mais tempo. No Inverno a seguir, sob o céu alciónico de Nice, que pela primeira vez então resplandeceu na minha vida, encontrei o terceiro Zaratustra, e assim terminei a obra. E foi, ao todo pouco mais ou menos um ano. Muitos sítios ignorados e alturas silenciosas da paisagem de Nice foram, em instantes inolvidáveis, consagrados por mim; aquela parte decisiva que tem por título Das velhas e novas tábuas, foi redigida durante um passeio à maravilhosa estância mourisca Ega aninhada no meio dos rochedos - a agilidade muscular sempre foi muito grande em mim quando o poder criador atingia o auge. O corpo entusiasma-se: deixemos a «alma» fora do jogo... Podiam até ver-me bailar; e eu podia; sem fadiga, andar sete ou oito horas a fazer ascensões nas montanhas. Dormia bem, ria muito - encontrava-me em excelente forma, vigoroso e paciente.