Ecce Homo - Cap. 10: Assim falou Zaratustra Pág. 83 / 115

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Apesar dos trabalhos de dez dias, os tempos de composição de Zaratustra, e principalmente os posteriores, foram anos de angústia sem par. Paga-se muito caro ser imortal: é então forçoso morrer muitas vezes em vida.

Há uma coisa que chamo rancor da grandeza; tudo quanto é grande, seja obra, seja acção, uma vez que se realiza, volta-se contra o seu autor. Só pelo facto de ter realizado, torna-se o autor inerme perante o que fez, já não lhe é dado olhá-lo de frente. E é como se tivéssemos atrás de nós alguma coisa que nunca desejámos fosse tal qual foi, alguma coisa que fica ligada ao próprio destino da humanidade - e de que nunca mais nos podemos separar!... É um peso incessante que quase nos esmaga... O rancor da grandeza!...

Outra coisa ainda é o espantoso silêncio que sentimos em redor de nós. A solidão tem sete véus; nada há aí com poder de atravessá-la. Aproximamo-nos dos homens, cumprimentamos os nossos amigos: e é sempre um deserto, onde não recebemos olhar algum de ternura. No melhor caso, encontramos uma reacção violenta. Verifiquei esta revolta em graus muito variados, mas quase de modo constante nos mais próximos de mim. Parece que nada ofende mais profundamente do que fazer notar subitamente uma distância - as nobres naturezas capazes de admirar, são raras.

Há ainda uma terceira coisa, que é a estranha susceptibilidade da epiderme para as pequenas picadas, espécie de angústia das mínimas coisas. Isto parece-me provir do considerável dispêndio de todas as energias de defesa, que é uma das condições da actividade criadora, de toda a actividade que radica no que há de mais singular, mais íntimo e mais profundo. As pequenas capacidades defensivas parecem ser de algum modo abolidas:





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