Ecce Homo - Cap. 10: Assim falou Zaratustra Pág. 87 / 115

E sou eu o inventor do ditirambo, Atendei, pois, à maneira como Zaratustra fala a si próprio antes do nascer do sol (III, pág. 234). Tal felicidade de esmeralda, tal divina ternura, não tivera ainda voz antes de mim. A mais profunda tristeza, em Diónisos, torna-se ditirambo; dou, como exemplo, a Canção da Noite, esse lamento imortal do que está condenado pela superabundância de luz e de poder, por sua natureza solar, a ser sem amar.

«É noite: quando falam mais alto as nascentes.

E também a minha alma é uma nascente.

É noite: é a hora a que se elevam todos os cantos dos namorados. E também a minha alma é um canto de amor.

Alguma coisa de insatisfeito, de para sempre insatisfeito, quer traduzir-se em alta voz. Um desejo de amor está em mim que espontaneamente fala na linguagem do amor.

Sou Luz: ah, se fosse Noite! A minha solidão consiste, porém, justamente em estar circundado de luz.

Ah! Não ser eu sombra e treva! Como então sugaria nos seios da luz!

E bendizer-vos-ia a vós, a vós, pequenos astros rutilantes vermes da luz celeste! - e ser-vos-ia grato da luz que me désseis...

Eu porém vivo na minha própria luz, e sorvo as chamas que do meu ser emanam.

Ignoro o prazer dos que recebem; e sonhei, tantas vezes, que roubar era volúpia maior do que aceitar...

Tal é a minha pobreza, que esta mão nunca em dar tem descanso, tal a minha cobiça, que os meus olhos estão escancarados de expectativa e as noites se me iluminam de ansiedade.

Infelizes, os que dão! Oh, obscurecer de todo o sol!

Oh, desejar ansioso. Oh, fome devoradora na própria saciedade!

De mim recebem os que têm: mas entro acaso em relação com as suas almas? Entre dar e receber medeia um abismo; e o mais pequeno abismo é o mais difícil de preencher.





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