Uma fome promana da minha beleza; pudesse eu tirar alguma luz àqueles mesmos a quem ilumino; e daqueles a quem presenteio tirar alguma coisa: - tal é a minha sede de maldade.
Eis como surgiu o génio de vingança da minha plenitude, ao mesmo tempo que da minha solidão nasceu a malícia.
A minha alegria de dar morreu à força de dar, a minha virtude cansou-se de si própria e da sua abundância.
Quem sempre dá corre o perigo de perder o pudor; o que constantemente distribui, acaba, à força de distribuir, por ter calos nas mãos e no próprio coração.
Os meus olhos já não sentem a humilhação dos que pedem, já por eles não derramam lágrimas; esta mão endureceu e já não sente o estremecimento das mãos cheias.
Que é feito da piedade dos meus olhos e da ternura do meu coração? Oh, isolamento de todos os que dão! Oh, silêncio de todos os que falam!
Muitos sóis vogam no espaço vazio: para tudo quanto é tenebroso falam eles com sua luz - a mim nada me dizem.
- Ai! Tal é o desamor dos luminosos astros para o que é luminoso: seguirem seu curso inelutavelmente e sem piedade.
Cruéis no fundo de seus corações contra o que é luminoso, cegos para outros sóis - assim prosseguem todos os sóis.
E tal como o furacão, seguem os sóis seu curso; seguem sua ventada inelutável, essa é a sua cegueira.
Oh! Sois vós, e só vós, seres tenebrosos e nocturnos sois vós os que dais calor através da luz! Oh! sois vós, e só vós, que nos peitos da luz bebeis o terno leite da vida.
Ah! O gelo circunda-me e a minha mão abrasa ao seu contacto!
Ah! Que sede sinto em mim, ardente sede de todas as sedes!
E noite: ah, porque tive eu de ser luz e sede de trevas e solidão!
E noite: agora, mana de mim, como fonte, o meu desejo - o meu desejo aspira a tomar voz.