Endireitou os ombros, reuniu coragem e entrou. A porta fechou-se atrás deles com um som seco.
Cá estamos, pois. Um quarto hediondo, quase repugnante. Linóleo no chão e uma larga cama de casal com lençóis vagamente encardidos. Por cima da cabeceira, um quadro colorido emoldurado de La Vie Parisienne. Era um erro, este último pormenor. Às vezes, os originais não resistem tão bem a uma comparação. E - claro! -, na mesa de bambu junto da janela, a inevitável aspidistra! Encontraste-me, porventura, oh, meu inimigo? Mas vem para aqui, Dora. Deixa-me observar-te bem.
Ele tinha a vaga impressão de estar deitado na cama.
Não conseguia enxergar bem. O semblante juvenil e rapace dela, com olheiras profundas, debruçava-se sobre ele.
- E o meu presente? - perguntou, numa inflexão mista de adulação e ameaça.
Deixemos isso de momento. Ao trabalho! Aproxima-te mais. A boca não é feia.
O espírito resiste, mas a carne é fraca. Tenta de novo. Não. Deve ser da bebida. Lembra-te de MacBeth. Uma última tentativa. É inútil. Esta noite não pode ser.
Não te rales, Dora. Hás-de receber as tuas duas libras. Não pagamos consoante os resultados.
- Passa-me a garrafa. - Gordon fez um gesto indefinido. - A que está em cima da cómoda.
Dora foi buscá-la. Ah, assim é outra coisa! Esta, ao menos, não me desaponta. Com as mãos que tinham inchado monstruosamente, ele inclinou a garrafa de chianti. O vinho deslizou pela garganta, amargo e ardente, e parte trepou ao nariz, quase o sufocando. Sentiu-se escorregar e cair da cama. A cabeça contactou com o chão. As pernas continuavam na cama. Deixou-se ficar naquela posição por uns momentos. Será esta a maneira de viver? Na sala em baixo, as vozes juvenis continuavam a entoar lugubremente:
Esta noite folgaremos, Esta noite folgaremos, Esta noite folgaremooos
E amanhã estaremos sóbrios!