A aspidistra é a árvore da vida, decidiu subitamente. Teve consciência de um vulto na algibeira interior do casaco. Era o manuscrito de Prazeres, Londrinos. Tirou-o de lá e examinou-o à' luz de um candeeiro. Um enorme maço de papel, sujo e amarfanhado, com o aspecto peculiar desagradável das pontas dobradas de todas as páginas guardadas numa algibeira por muito tempo. Cerca de quatrocentas linhas ao todo. O único fruto do seu exílio, um feto de dois anos que nunca nasceria.
Bem, ele pusera termo a tudo aquilo. Poesia! Com que então, poesia? E em 1935.
Que destino daria ao manuscrito? O melhor era largá-lo na sanita. Mas achava-se longe do quarto e não dispunha do péni necessário para se dirigir a uns lavabos públicos. Deteve-se junto da grade de ferro de uma sarjeta. Na janela da casa mais próxima, uma aspidistra, quase sem folhas, espreitava entre as cortinas de renda amareladas.
Desenrolou uma página de Prazeres Londrinos. No meio dos rabiscos labirínticos, uma passagem atraiu-lhe a atenção. Acudiu-lhe uma ponta de pesar momentânea. Vendo bem as coisas, certas partes não eram assim tão detestáveis! Se alguma vez conseguisse concluir o poema! Parecia-lhe lamentável desfazer-se de tudo, depois das horas de trabalho que lhe consumira. Guardá-lo, porventura? Conservá-lo junto de si e terminá-lo em segredo, nos tempos livres? Apesar da viragem na situação, talvez resultasse satisfatório.
Não, não! Devia manter a palavra. Ou se rendia ou não.
Dobrou o rolo de papel, e introduziu-o entre as barras metálicas do esgoto. No segundo imediato, caía com um flop na água corrente em baixo.
Vicisti, O aspidistra!