Os Pobres - Cap. 17: XVI - O que é a vida? Pág. 102 / 158

Sua dor é mais contida, e misturada de ternura, mas a interrogação, sem ser ansiosa, nem por isso deixa de persistir nem de ser igualmente dramática: – Para quê? para quê?... – Compreendo agora melhor o lado sério e sagrado da afeição, e fito as mãos deformadas, as mãos que eu queria beijar, com dor e espanto. Todos sofreram – todos cumpriram a vida. E nenhum sabe o que é a vida. O céu, esta bondade cega e muda, não responde, a morte não responde... Só sabemos todos que ao lado da vida – é que está a verdadeira vida. Outra vida. A consciência da vida. Debalde desviamos o olhar. Ela é que nos importa.

A Vida está aqui presente – e todos nós pressentimos que a sua sensibilidade é extraordinária e que é tão delicada que por um acto nosso a podemos matar. Essa vida sofre com as nossas acções e aproxima-se ou afasta-se em gritos de desespero. Às vezes quer deter-nos, às vezes quer prevenir-nos, às vezes faz esforços enormes para se interpor entre nós e os nossos actos. Às vezes grita e não lhe ouvimos os gritos. Às vezes toca-nos, está ao nosso lado. Às vezes perdemo-la no caminho.

Creio que é essa Vida que nos sustenta. E os humildes sentem-na mais profundamente, sentem-na mais perto de si, porque vivem em maior silêncio e mais isolados, e talvez também porque essa Vida é muito grande e muito simples e se dá melhor com a humildade dos desgraçados. Mas a Vida, que é um clarão ou uma luzinha de candeia que se apaga num sopro – nem eu a conheço nem tu a conheces...

Por fim o Gabiru ficou sozinho com os pobres.

Eles não sabiam explicar a vida: sentiam-na e sofriam.

De pé ainda teimou:

– Foi assim... Disseram-me um dia: – Eis aqui um tesouro, cava! e eu pus-me a cavar. Dum lado e de outro acumulou-se a terra.





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