Tinham-lhe posto essa alcunha – o Gebo, e perguntavam-lhe coisas obscenas para se rirem:
– Hein, diz lá, ó Gebo, então tu não tens uma filha?
E ele logo com um riso no olhar:
– Tenho, sim, uma filha, a minha filha...
– E que tal, hein, boas pernas, diz, boas pernas?
Humilde, coçado, à espera da esmola, sem forças para protestar, respondia com um sorriso e lágrimas à mistura:
– Boas pernas... boas pernas...
É neste momento da existência que ele aceita a desgraça. O velho não entende e aceita. Talvez já não pergunte o que é a vida. A desgraça usou-o até ao ponto de aceitar tudo. Estão unidos ele e a desgraça. Já não há nada que espante esse homem gordo que só tem um desejo – dormir, que dorme de cabelos brancos estacados.
O Gebo transformou-se numa figura, não pela declamação nem pelo aspecto, mas por dizer que sim à desgraça, por aceitar totalmente a vida e a dor. Lá vai levado, enlameado e de rastos, a chorar. Ilusões? já as não tinha, se ilusões não servem senão para se sofrer.
Quando viva, a mulher era quem ainda arcava com a sorte. Esbracejava. E juntos aquecia-os no mesmo lar, com pedaços de sonho, como quem, depois de repartir os últimos farrapos, agasalha com a própria alma. Um sonho cai por terra? Estreia-se outro sonho. Embrulhados no mesmo cobertor, ela, seca e nervosa, pregava-lhes que ainda podiam ser felizes, acalentava-os e, todos três iludidos, ficavam naquela negrura e desespero, todos três a cismar.
Mas agora nem isso... Enregelados não apelavam para a ilusão. Ele chorava e Sofia, alheada e triste, cuidava, ambos sem palavras que dissessem. Oh seria tão bom morrer, descansar, dormir por uma vez sem mais acordar!... Mas, aguilhoado e ridículo, aquele homem pícaro apegava-se como um desesperado à vida.