Ainda por cima o Gebo tinha medo à morte.
Assim comiam o pão negro, ajuntando-lhe as lágrimas que choravam. Sob este solo que calcamos atrás das nossas ambições, anda um humilde rio de lágrimas, um rio subterrâneo de dor, de gritos, que se alastra e corre sem ruído...
Já não saía a pedir todas as madrugadas. Agora cansava, mal podia andar; embrulhado e tiritando de frio, não se erguia da enxerga. Quereis crer que estava mais gordo e mais pícaro?
E como ele dormia! com fome, aflito, tombava num sono de sepulcro, espapaçado, os cabelos todos brancos e a fisionomia cansada e amargurada. Nunca se queixava; apenas repetia a miúdo:
– Tenho pena de ter sido honrado...
Porque é que a desgraça se não cansava de o perseguir? Este aguilhão cravado no peito não lhe deixava um minuto de descanso: a sorte da filha. Nada lhe custava mais do que deixá-la no mundo ao desamparo.
– Tenho pena de ter sido honrado.
Para que serve ser bom? Os maus que conhecera estavam ricos e escarneciam-no, os bons espezinhados.
Criaturas a quem o Gebo salvara acolhiam-no com risos e só fizera ingratos.
O Gebo não entendia a vida.
– Ó Gebo! ó Gebo! – gritavam-lhe.
E ele meio tonto:
– Anh? anh?... Se eu não tivesse sido honrado...
Ela era uma criaturinha triste, resignada e pálida.
Falava pouco. Cismava. Da vida tudo ignorava, a não ser a história dos seus: o lar apagado, a aflição da mãe, o choro do pai ao voltar para casa sem pão. A velha dizia às vezes más palavras ao Gebo, quando lhe perguntava ansiosa:
– Arranjaste?
E ele, a bufar, exclamava sucumbido:
– Valha-me Deus, mulher!
Nesses dias aziagos ela dizia impropérios à vida e ao Gebo, que nem sequer tinha forças para as sustentar a ambas.
– Olha os outros! olha os outros!
E ele atrapalhado:
– Mas que hei-de eu fazer, mulher?
– Vai roubá-lo! vai roubá-lo!.