Tomaram conta dela as mulheres. Dormia com elas ou com o ladrão. Uma manhã disseram: 
– A tua amante lá vai. Enterrou-se ontem. 
E o Morto ficou horas sozinho a cismar. Acordaram- no risos fora. Levantou a cortina e foi direito ao velho cavador que tinha a pequena nos joelhos. Calaram-se todos em roda, e ele tirou-lha de repelão dos braços, encarando com o outro que se riu com a grande boca de fera desdentada. O Morto saiu com ela e só voltou à tarde, tornando a entregá-la à Gorda. 
– Guarda-ma até à noite. 
À noite chamou a pequena e teve-a muito tempo  apertada contra si. Talvez nesse momento compreendesse o horror da Asilada pela filha e a sua ternura antes de a levarem de vez para o hospital – talvez visse o Velho com a criança nos braços e aquela boca escancarada lhe parecesse monstruosa. 
– Vem comigo. 
– Onde vamos, pai? Passear? 
– Passear. 
A pequena riu-se. 
– Agora? 
– Agora. 
E pegando-lhe pela mãozinha levou-a até ao rio, exactamente no sítio onde encontrara pela primeira vez a Asilada. Meteu-se dentro dum barco, desamarrou-o e pôs-se a remar. 
– Onde vamos, pai? 
– Tu verás. Dorme. 
O mesmo horror inconsciente que lhe tinha a mãe, sentia-o agora o ladrão. Não raciocinava. Nem o ódio era pela viela que esperava a criança, nem por a ver nas mãos do cavador brutal ou do soldado vesgo, que a olhava calado com ferocidade. Doía-lhe qualquer coisa, que o obrigara a tomar uma resolução para poder respirar. 
Aquilo não podia existir ao seu lado – tinha de desaparecer. Isto sentia-o profundamente até ao âmago, como a mãe o sentira sem o saber explicar. Na alma do ladrão, ao pegar essa noite na criança, havia ao mesmo tempo ferocidade e horror. Era necessário matá-la,  absolutamente necessário.