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Capítulo 25: XXIV - O ladrão e a filha

Página 140

Tomaram conta dela as mulheres. Dormia com elas ou com o ladrão. Uma manhã disseram:

– A tua amante lá vai. Enterrou-se ontem.

E o Morto ficou horas sozinho a cismar. Acordaram- no risos fora. Levantou a cortina e foi direito ao velho cavador que tinha a pequena nos joelhos. Calaram-se todos em roda, e ele tirou-lha de repelão dos braços, encarando com o outro que se riu com a grande boca de fera desdentada. O Morto saiu com ela e só voltou à tarde, tornando a entregá-la à Gorda.

– Guarda-ma até à noite.

À noite chamou a pequena e teve-a muito tempo apertada contra si. Talvez nesse momento compreendesse o horror da Asilada pela filha e a sua ternura antes de a levarem de vez para o hospital – talvez visse o Velho com a criança nos braços e aquela boca escancarada lhe parecesse monstruosa.

– Vem comigo.

– Onde vamos, pai? Passear?

– Passear.

A pequena riu-se.

– Agora?

– Agora.

E pegando-lhe pela mãozinha levou-a até ao rio, exactamente no sítio onde encontrara pela primeira vez a Asilada. Meteu-se dentro dum barco, desamarrou-o e pôs-se a remar.

– Onde vamos, pai?

– Tu verás. Dorme.

O mesmo horror inconsciente que lhe tinha a mãe, sentia-o agora o ladrão. Não raciocinava. Nem o ódio era pela viela que esperava a criança, nem por a ver nas mãos do cavador brutal ou do soldado vesgo, que a olhava calado com ferocidade. Doía-lhe qualquer coisa, que o obrigara a tomar uma resolução para poder respirar.

Aquilo não podia existir ao seu lado – tinha de desaparecer. Isto sentia-o profundamente até ao âmago, como a mãe o sentira sem o saber explicar. Na alma do ladrão, ao pegar essa noite na criança, havia ao mesmo tempo ferocidade e horror. Era necessário matá-la, absolutamente necessário.

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 140

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154