Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 25: XXIV - O ladrão e a filha

Página 142
.. Ainda tentou avançar sem ruído, contendo a respiração, para deitar as unhas de repente e afogá-la.

Não pôde... Tinha uma missão a cumprir e não conseguia executá-la.

– Terei eu medo? terei eu medo?

E apertava uma contra a outra as mãos frias e enormes.

Esbarrava contra um muro vivo de ternura. A sua alma torcia-se na nudez imensa da noite, esmagado entre duas forças contraditórias que lhe pesavam como montanhas. Olhou para o céu – para as estrelas inúteis.

A criança dormia no fundo do barco. E aquelas duas forças quase as via avançar sobre ele cada vez maiores.

O drama passava-se no silêncio da noite e sem poder separar a ternura do acto feroz e necessário que meditara.

A sua concentração atingia o desespero.

Por fim deitou-lhe as mãos e ela acordou:

– Pai! pai!

E imaginando que ia brincar encostou-se à cabeça curvada sobre ela e exclamou:

– As estrelas! as estrelas!... O Rosa! ó Rosa! ó Rosa!... Pai, tu sim tu és meu amigo... Que lindo lá em cima!... Pai!...

Pela boca inocente e pura fala agora o mundo a que pertencemos todos, nós e os ladrões das estradas.

Ele detém-se esmagado. Já não pode ir até ao fim.

Imobilizado ouve-a, com horror, e sente-lhe ao mesmo tempo a mãozinha nas mãos enormes. Imobilizado de dor o ladrão nem se atreve a falar.

Aquilo que julgava fácil era impossível. Matá-la era melhor, mas não podia. Tinha de aceitar o destino: o soldado vesgo, o Velho que a esperava com a alegria duma fera que sente a presa próxima e escancara as fauces temerosas. Soltou devagarinho a corda, dirigiu o barco para terra e, deitando a correr desvairado, com a criança nos braços, foi entregá-la à viela.

<< Página Anterior

pág. 142 (Capítulo 25)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 142

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154