Os Pobres - Cap. 26: XXV - Natal dos pobres Pág. 150 / 158

E o banco cisma:

– Há que tempos que não sinto em mim a luz da manhã, que traz consigo a vida de tudo o que existe, dos rios, das outras árvores, nem o sol a crescer em vagas de oiro, nem a água verde, melancólica, e tão mansa entre os choupos que parece ir vogando já morta... Sinto-me transido... Transido? Isto é corno fogo, mas trespassa-me de frio. E não há nevão, mas ouço sempre gritos, ais, dores... Oh se fosse luar!... Destas enfermarias corre também um sonho parecido com luar... Será uma fonte?...

As fontes! nem te lembres das fontes!... Aqui parece que as minhas fibras mergulham num mar revolvido, que eu ignoro, mas que é feito de gritos.

Baixo a pedra começa também a lembrar-se e àquela hora perdida da noite toda a alma inconsciente do Hospital estremece. Quer recordar, palpita e logo esquece... Os sonhos dos doentes, dos pobres, dos tristes, materializam-se e são como nuvens: são de fogo, são de luar. Sombras aos bandos dissolvem-se, para outra vez se criarem.

– Acho que sempre é luar... E quando havia sol?

Torrentes corriam pelo meu tronco, inundavam a minha roupa cascosa e em volta numa poeira azul andava um turbilhão de bichos. Outras árvores flutuavam na mesma poalha e as suas folhas ou eram de sol ou todas de prata.

Longe – e que encanto aquela companhia sempre presente e amiga! – o fio do rio chalrava. Folhas caíam e iam devagarinho viajar sobre a água verde. Para onde?...

Debaixo de mim, até ao mais fundo das minhas raízes quantas vidas protegi e defendi!... As minhas raízes tocavam na vida!... Às vezes caia um pé de água, mas depois vinham sempre teias de sol, fios de sol, para me enredar – e o sol traz consigo um cheiro a terra e renovo que consola, o hálito dos montes e dos pinheiros meus amigos.





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