Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 27: XXI - Aí têm os senhores a natureza!

Página 155
Eis aí a terra, aí a tens a teus pés. Aí tens um charco.

Tudo já estava cheio de sol.

– Isto negro e isto de oiro? – pergunta o Gabiru.

– Sim. Revolve isso negro, inerte e no entanto vivo.

Afunda as mãos. Aí nas tuas mãos, nesse pedaço de lama, tens tudo, partículas de árvores e de sonho, realidade e emoção...

– Isto é então...

– Um turbilhão – afiança gravemente o Pita.

– Isto é vida?

– É vida. Esse pedaço de terra é húmus. Incha com a primavera, fala. Está morna e escuta, põe-na ao ouvido... Ouves?

– Ruído, vozes, gritos de embriões, um burburinho...

– Ora repara. É sempre a mesma coisa.

Maquinações filosóficas... Isto é um mundo e isto – e aponta um charco – é um mundo. Nesse charco adiante, aí, vês?...

– É oiro.

– Não, é água onde o sol se espelha, apenas água...

O Gabiru curvado mergulha as mãos afiladas e negras na poça. Tira-a depois para fora fascinado. As gotas daquela água turva caem qual oiro líquido, trespassadas pelo sol, num chuveiro de faíscas.

– Eis estrelas! – exclama comovido.

– Perdão, ê apenas como te disse, um charco, um desprezível charco. Habitua-te primeiro a ver.

– Quero ver mais!

– Habitua-te primeiro a ver...

O sol que tomba a flux corre, afoga, doira, penetra os seres e as coisas. No dia húmido ouve-se o ressurgir da vida: a lama mexe-se, os troncos engrossam, a água nasce inchada, nessa manhã de primavera, em que tudo se transforma sob a esteira do sol. Tinha chovido na véspera e até nas mais pequenas coisas, na pegada dos bois onde a chuva encharcara, irrompe uma vida exuberante, apressada, de seres que em minutos de existência têm uma prodigiosa tarefa a cumprir: amar, criar, morrer...

– Eis uma árvore – aponta o Pita.

– Como ela gesticula para nós!

– Pois aí tens uma árvore.

<< Página Anterior

pág. 155 (Capítulo 27)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 155

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154