Eis aí a terra, aí a tens a teus pés. Aí tens um charco.
Tudo já estava cheio de sol.
– Isto negro e isto de oiro? – pergunta o Gabiru.
– Sim. Revolve isso negro, inerte e no entanto vivo.
Afunda as mãos. Aí nas tuas mãos, nesse pedaço de lama, tens tudo, partículas de árvores e de sonho, realidade e emoção...
– Isto é então...
– Um turbilhão – afiança gravemente o Pita.
– Isto é vida?
– É vida. Esse pedaço de terra é húmus. Incha com a primavera, fala. Está morna e escuta, põe-na ao ouvido... Ouves?
– Ruído, vozes, gritos de embriões, um burburinho...
– Ora repara. É sempre a mesma coisa.
Maquinações filosóficas... Isto é um mundo e isto – e aponta um charco – é um mundo. Nesse charco adiante, aí, vês?...
– É oiro.
– Não, é água onde o sol se espelha, apenas água...
O Gabiru curvado mergulha as mãos afiladas e negras na poça. Tira-a depois para fora fascinado. As gotas daquela água turva caem qual oiro líquido, trespassadas pelo sol, num chuveiro de faíscas.
– Eis estrelas! – exclama comovido.
– Perdão, ê apenas como te disse, um charco, um desprezível charco. Habitua-te primeiro a ver.
– Quero ver mais!
– Habitua-te primeiro a ver...
O sol que tomba a flux corre, afoga, doira, penetra os seres e as coisas. No dia húmido ouve-se o ressurgir da vida: a lama mexe-se, os troncos engrossam, a água nasce inchada, nessa manhã de primavera, em que tudo se transforma sob a esteira do sol. Tinha chovido na véspera e até nas mais pequenas coisas, na pegada dos bois onde a chuva encharcara, irrompe uma vida exuberante, apressada, de seres que em minutos de existência têm uma prodigiosa tarefa a cumprir: amar, criar, morrer...
– Eis uma árvore – aponta o Pita.
– Como ela gesticula para nós!
– Pois aí tens uma árvore.